domingo, 29 de novembro de 2015

Minha tragicômica viagem à Macchu Picchu

Esta história poderia ser contada em um show de Stand Up Comedy, mas como também daria uma boa escrita, vamos lá...

Tudo começou no ano de 2013, quando eu fazia intercâmbio na cidade de Antofagasta, no norte do Chile, uma cidade de cerca de 300 mil habitantes, encravada no deserto do Atacama, com cerca de 5 cães abandonados para cada morador (é sério, havia tanto cachorro de rua que dava para vender nuns pet shoppings aqui e ficar RICO!), um pequeno terremoto a cada 2 meses, e uma ausência gigantesca de árvores e rios (não havia nenhum rio, riacho, córrego ou rego d’água na cidade) e um notável tédio que se estendia por todo um semestre por causa da total falta de atrações turísticas.

Este era o panorama de quem, depois de quatro meses morando no meio do deserto mais seco do mundo já havia se desiludido com parte do intercâmbio, afinal de contas, não havia o mesmo glamour do que se eu houvesse ido fazê-lo em Paris, Amsterdã ou Londres... Mas um detalhe foi muito importante nesta história: minha namorada! Sim, ela estava comigo nesta roubada! Ela também havia tido a louca ideia de fazer um intercâmbio, e lá íamos nós encarar as terras chilenas... daí você me pergunta: mas porque diabos ir para o Chile? Eu havia ganhado uma bolsa de estudos do Banco Santander (isso não é merchandising) e, só havia esta cidade disponível para estudar.

Enfim, depois de um certo tempo naquela cidade, nos veio a louca ideia: “E se a gente fosse pra Macchu Picchu?!” GENIAL! Estávamos tão “pertinho”, eram só 1.600 Kms! E o melhor, não tínhamos dinheiro para ir de avião, afinal, éramos estudantes, e daqueles que vendiam o almoço para comprar a janta. Mas para quê precisar de avião quando se tem um ideal?! (Vish...).

Depois de vermos nossa impossibilidade financeira para ir voando, começamos a planejar uma ida de ônibus! Fizemos as contas, conversamos com uma conhecida peruana que estava fazendo intercâmbio na mesma universidade e decidimos: “Vamos comprar as passagens!”

O primeiro passo foi ir até o centro da cidade de Antofagasta e comprar duas passagens de ônibus para a cidade de Arica, na fronteira com o Chile, e fomos com a famosa “Tur Bus”. O interessante é que no Chile as passagens de ônibus possuem o mesmo sistema de avião: quanto mais cedo você compra, mais barato fica, e quanto mais próximo da viagem, mais caro! Com isto em mente, compramos uma passagem para 15 dias depois, fizemos as malas (entenda-se 2 mochilas) e partimos para nossa aventura!

O primeiro trecho, de 720 entre Antofagasta e Árica, era todo feito no Deserto do Atacama, e custou cerca de R$ 80,00 para nós dois. Viajamos por toda a noite, cerca de 9 horas, até aí tudo bem. Ao chegar na cidade de Arica, parecia que estávamos entrando em uma daquelas favelas bem faveladas que a nossa mente pode imaginar... e o pior de tudo, eram 6 horas da manhã, o sol nem havia nascido com toda a sua força ainda, mas... tudo bem, seguimos o fluxo da multidão e não ocorreu nada. Ao chegar nesta cidade, tínhamos que escolher a maneira mais rápida de fazer a travessia para o Peru, e tínhamos basicamente duas: ou íamos num ônibus velho, pagando cerca de R$ 16 ,00 (todos os preços daqui pra frente serão calculados para duas pessoas) e pegando uma fila imensa na fronteira para passar pela imigração, ou pagávamos uma espécie de lotação (entenda-se um carro velho, com pneus carecas, sem cinto de segurança e da década de 60) para irmos mais rápido, por R$ 25,00, para rodar os 60 quilômetros entre uma cidade e outra... Pois bem, escolhemos a segunda opção.

A fronteira (foto tirada pelo "motorista")
Ao entrar no carro, percebemos que, no espaço em que cabiam 5 pessoas, foram enfiadas 7, com um motorista que não parecia entender a gravidade de um carro velho, superlotado e com pneus carecas, pois ele parecia estar encarnado com o espírito do Airton Senna... Mas enfim, fomos nos aproximando da fronteira e chegamos como os primeiros da fila da imigração: tínhamos que descer do carro, passar nossas malas no raio x, apresentar nossos documentos e receber a permissão para viajar, até aí, ok... mas o interessante é que, o posto de imigração fica no meio de um campo minado! Sim, um C-A-M-P-O  M-I-N-A-D-O! Para quem não sabe, o Chile, como país simpático que é, no século passado decidiu entrar em guerra contra o Peru, a Argentina e a Bolívia AO MESMO TEMPO! Por isso, são sempre vizinhos muito simpáticos. Até aí tudo bem, passamos sem nenhum problema, entramos no carro novamente e seguimos na estrada com destino a Tacna, a primeira cidade peruana, quando de repente, o motorista para o carro no acostamento da estrada, desce, abre o capô do veículo e tira do meio do motor um papelote branco que parecia um tijolo industrial... olhos arregalados, cochichei para minha namorada ao lado: “Não fala nada!”... Quando o motorista voltava para o carro, naturalmente, colocou o pacote no colo e dirigiu por mais dez minutos até chegar na cidade, onde no primeiro semáforo entregou o pacote para uma pessoa na cidade... foi assim que quase fui preso a primeira vez por tráfico de drogas! Melhor, TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS!

Mas ocorreu tudo bem, não sofremos nada, o motorista não era um bandido sanguinário, mas somente uma pessoa que deveria estar querendo fazer uma graninha extra servindo de “mula” para os locais... Passando isso, já estávamos mais “espertos” com o sistema local, nos dirigimos à rodoviária de Tacna, e tínhamos que escolher um ônibus para chegar à cidade de Arequipa: seriam 370 Kms que faríamos em 7 HORAS! Porque simplesmente era um dos trechos mais perigosos do Peru, com um caminho montanhoso, que era muito lindo por sinal, no meio do deserto, com paisagens que te faziam se sentir um habitante de marte, com tanta terra vermelha.

Deserto do Atacama - Parte Peruana

Eram 11 horas da manhã quando encontramos uma empresa chamada “Mocquegua”, em que pagamos R$ 30,00 para irmos em um ônibus luxuoso até a cidade: os preços dos ônibus eram mais baratos no Peru, para noooossa alegria! E a viagem correu bem, até chegarmos em Arequipa às 18 horas para passar a noite e outros 2 dias em um hotel que havíamos reservado na noite anterior. Chegamos, passeamos, conhecemos muita coisa linda, comemos as melhores comidas de toda a viagem (a comida peruana é incomparavelmente melhor do que a chilena, se é que podemos dizer que há uma “comida chilena”).

Plaza de Armas de Arequipa - Parte Central da Cidade

Cui Chactado - Uma espécie de Porquinho da Índia assado (suculento)

Filé à Havaiana

Rocottos Rellenos - Pimentão peruano recheado com carne e queijo e bolo de milho


Chegando a hora de sair, estávamos novamente na rodoviária buscando o melhor preço e horário para ir de ônibus para a cidade de Cusco, que ficava a 500 kms de onde estávamos: encontramos uma empresa chamada “Andoriña Taurus” onde fomos em um ônibus, relativamente bom, e o “relativamente” se deve a alguns pequenos fatos: primeiro, as poltronas da “classe econômica” (o andar de cima) pareciam que possuíam um espaço menor do que o que existe entre as poltronas dos aviões do Gol, a janela onde a Lorena (minha namorada) estava não fechava completamente, o que fez uma leve brisa congelante do deserto entrar insistentemente pela madrugada e a deixar com uma inflamação de garganta (eu perguntei várias vezes se ela queria trocar de lugar comigo e ela quase me matou dizendo que queria ir na janela), e pelo fato de que quando eu fui ao banheiro do ônibus de noite, havia uma senhora que não falava uma vírgula de espanhol (parecia falar a língua quéchua), e decidiu travar um diálogo comigo falando o dialeto mais estranho que eu já vi na minha vida... a mulher era uma daquelas senhoras nativas, com aqueles saiotões, com aqueles chapéus peruanos, um saco amarrado nas costas e parecia que não tomava banho há 3 semanas.... Enfim, o problema do ônibus não era a tia, mas a tribo dela inteira que estava no ônibus e com a mesma dieta de banho, ou seja, o cheiro era M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O! E só tínhamos que encarar essa viagem por 12 HORINHAS! Porque se o trajeto anterior era lento, este era pior ainda, porém era muito mais lindo!



Um oásis no caminho

Chegamos em Cusco, são e salvos, fomos para o hotel (na verdade era um hostel) onde nos hospedamos em um dos piores quartos de nossa vida: mas tudo foi compensado pela gentileza dos cidadãos peruanos e pela beleza da cidade de Cusco! Quem um dia for para lá, recomendo tomar um Café na Starbucks da Plaza de Armas de noite, vendo as estrelas e as luzes dos morros da cidade, curtindo um friozinho de 2 graus.

Plaza de Armas de Cusco - Foto da Torre da Igreja dos Jesuítas

Passamos dois dias rodando a cidade para conhcer as ruínas que haviam nela, a história, a gastronomia, até que tínhamos que partir para Macchu Picchu: este era o último trajeto da viagem, e só se podia fazer de trem, pois não existem estradas que ligam a cidade de Cusco até o povoado de Aguas Calientes, onde fica a base do Santuário de Macchu Picchu. Este trecho era de 50 Kms e foi o mais caro de todos – gastamos cerca de R$ 600,00 para fazê-lo (ida e volta) – sendo também o mais bonito de todos, onde o trem ia ladeando um lindo rio, tendo várias ruínas no caminho e com uma cordilheira de montanhas nevadas ao fundo. Este trajeto começa às 9 da manhã e chega ao vilarejo ao meio dia.




A cidadezinha é linda, com muitos bares e restaurantes (aliás, deve ser uma das poucas fontes de renda da cidade que recebe milhares e milhares de turistas ao ano). Passamos um dia lá, de onde partiríamos no outro dia para a montanha, que estava a cerca de 2 800 metros do nível do mar, sendo que teríamos que subir cerca de 650 metros, do local onde estávamos até o topo do santuário: ou faríamos aquilo a pé, de graça, colocando os “bofes” para fora de tanta dificuldade de respirar, ou pagaríamos um microônibus que subiria conosco em uma pista simples de terra, sem nenhum tipo de guard rail, com o motorista aloprado fazendo curvas que te fariam rezar pedindo perdão por todos os pecados de sua vida – claro que escolhemos a segunda opção! Chegamos VIVOS ao topo da montanha, e ela era linda! Ao chegar lá havia também um guia turístico nos esperando, e faríamos um tour guiado em grupo de 2 horas, em um sol escaldante (e repare que estávamos quase 3 quilômetros mais perto do Astro Rei), o que te fazia se sentir um Peru assando ao forno (talvez seja daqui que venha o nome do país... De um sentimento coletivo da nação ou dos turistas... Não sei! LoL).

O vilarejo de Águas Calientes, também conhecido como Macchu Picchu Pueblo 
O grande troféu - A foto na montanha

Duas horas debaixo do sol, sem nenhuma sombra de árvore em que poderíamos nos esconder, o resultado não deu outra: após descermos maravilhados com a beleza do local, começamos a passar mal, muito mal! Quando você vê os jogadores de futebol quase morrendo no campo reclamando da altitude, não pense que é besteira... E isso porque ainda havíamos tentado nos prevenir antes: quando ainda estávamos em Cusco, havíamos comprado um pacote de folhas de coca seca, vendidos em uma farmácia, pois os nativos diziam que se mastigássemos elas sairíamos com a capacidade cardiorrespiratória fortalecida... o que obviamente não fez efeito nenhum sobre a gente, que estava acostumado somente a arnica como recurso natural para qualquer coisa!

Enfim, tínhamos que voltar no mesmo dia para Cusco, pois nosso trem saía naquela mesma tarde, às 5 horas! E assim foi feito, só que desta vez, o tem só iria até a metade do caminho, ao passo que tivemos que fazer a outra metade em uma vã clandestina, com os pneus carecas e com o mesmo estilo peruano maluco de dirigir... chegamos VIVOS (obrigado Deus!) em Cusco, por volta das 9 horas da noite! Passei uma das piores madrugadas de minha vida – tenho pavor de passar mal, e quando sinto que estou começando, passo mais mal ainda... no outro dia pela manhã, eu estava pedindo para Lorena me levar ao hospital, senão eu iria dar um treco... não tinha como, mas a mulher do hostel em que estávamos disse: “Yo conosco um buen medico que puede venir acá por um buen precio, barato!” eu pensei comigo: “É a salvação dos meus problemas”... Lorena me olhava com uma cara, onde eu podia ler seus pensamentos “mais é muito dramático mesmo...”... chegou um guri, com uma cara de 18 anos, vestido com um jaleco de que parecia que estava vendendo pastel em feira, me fez umas 3 perguntas e anotou em um bloquinho de papel a receita: “aspirina, bromoprida e gatorade”, e me cobrou R$ 100,00 por esta porcaria!!! A PARTIR DAQUI EU VI QUE ERA MUITO CARO PASSAR MAL... (Lorena ria de minha cara... horrores... porque ela mesma já havia me receitado aquilo).

Enfim... começamos a fazer todo o trajeto de volta para o Chile, e ainda com os estômagos embrulhados, tanto eu como ela, já estávamos amarelos de tanta fome, e parecendo dois periquitos que só se alimentavam de água e bolacha “cream cracker”, enfrentando uma viagem de quase 30 horas de ônibus. Quando já estávamos no último trecho, uma senhora chilena nos viu comendo nossas bolachas habituais e, em uma parado do ônibus, voltou para seu assento do lado do nosso, abriu uma sacola e pegou dois sanduíches e dois sucos de caixinha e nos ofereceu... nós havíamos agradecido e recusado, mas ela insistiu de uma forma que depois entendemos que era porque estávamos parecendo dois sem teto viajando em um pau de arara, morrendo de fome... boa alma, achou que não tínhamos dinheiro para uma refeição “boa”... mal sabia que o problema era mais estomacal que este... enfim, fomos quase obrigados a comer o sanduíche, e parecia que ele brincava de gangorra em nossos estômagos com o chacoalhar do ônibus... Mas quando tudo parecia ter acabado...

Eram três horas da manhã quando o ônibus parou em um posto policial, onde sabíamos que a polícia chilena era uma das mais ferrenhas da América Latina, o policial entrou no ônibus, mandou todos desceram com as malas de mão, e tirar as malas dos bagageiros: as maiores passariam pelo raio-x, as de mão seria revistadas manualmente. Até aí tudo bem, mas quando eu, ainda com o sono recém despertado, perguntei baixinho: “amor, o que você fez com aquelas folhas de coca?”... “coloquei na sua mochila amor”... Naquela hora eu parei de passar mal do estômago e comecei a passar mal do intestino, REPENTINAMENTE! E comecei a imaginar a situação: VINHERA DO JORNAL NACIONAL – (Leia com a voz do William Bonner): “Boa noite, casal de brasileiros é preso no Chile por tráfico internacional de drogas”... Tá, foi exagerado isso, mas eu não sabia se os guardas iriam encrespar com umas folhinhas inofensivas e industrializadas de coca. Watheaver! Foi quando o cara chegou, abriu minha mochila, revirou ela com sua mãe dentro, e nada encontrou... ufa! Entramos de volta no ônibus, seguimos o resto da viagem, até chegamos às 5 da manhã de novo em Antofagasta, resutlado: joguei as malditas folhas na primeira privada que encontrei, peguei um taxo e fui embora pra minha casa... afinal de contas, não é em toda viagem que se é quase preso duas vezes!

Ê 'seu' guarda, se o senhor soubesse o que eu tomei no país vizinho... hehehehe
Enfim, esse foi uma das dezenas de histórias que a gente arrumou em nossas andanças... E aqui fica a lição de moral da história: antes de cruzar a fronteira, verifique se não existem folhas de Coca com você! =D

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