domingo, 29 de novembro de 2015

Minha tragicômica viagem à Macchu Picchu

Esta história poderia ser contada em um show de Stand Up Comedy, mas como também daria uma boa escrita, vamos lá...

Tudo começou no ano de 2013, quando eu fazia intercâmbio na cidade de Antofagasta, no norte do Chile, uma cidade de cerca de 300 mil habitantes, encravada no deserto do Atacama, com cerca de 5 cães abandonados para cada morador (é sério, havia tanto cachorro de rua que dava para vender nuns pet shoppings aqui e ficar RICO!), um pequeno terremoto a cada 2 meses, e uma ausência gigantesca de árvores e rios (não havia nenhum rio, riacho, córrego ou rego d’água na cidade) e um notável tédio que se estendia por todo um semestre por causa da total falta de atrações turísticas.

Este era o panorama de quem, depois de quatro meses morando no meio do deserto mais seco do mundo já havia se desiludido com parte do intercâmbio, afinal de contas, não havia o mesmo glamour do que se eu houvesse ido fazê-lo em Paris, Amsterdã ou Londres... Mas um detalhe foi muito importante nesta história: minha namorada! Sim, ela estava comigo nesta roubada! Ela também havia tido a louca ideia de fazer um intercâmbio, e lá íamos nós encarar as terras chilenas... daí você me pergunta: mas porque diabos ir para o Chile? Eu havia ganhado uma bolsa de estudos do Banco Santander (isso não é merchandising) e, só havia esta cidade disponível para estudar.

Enfim, depois de um certo tempo naquela cidade, nos veio a louca ideia: “E se a gente fosse pra Macchu Picchu?!” GENIAL! Estávamos tão “pertinho”, eram só 1.600 Kms! E o melhor, não tínhamos dinheiro para ir de avião, afinal, éramos estudantes, e daqueles que vendiam o almoço para comprar a janta. Mas para quê precisar de avião quando se tem um ideal?! (Vish...).

Depois de vermos nossa impossibilidade financeira para ir voando, começamos a planejar uma ida de ônibus! Fizemos as contas, conversamos com uma conhecida peruana que estava fazendo intercâmbio na mesma universidade e decidimos: “Vamos comprar as passagens!”

O primeiro passo foi ir até o centro da cidade de Antofagasta e comprar duas passagens de ônibus para a cidade de Arica, na fronteira com o Chile, e fomos com a famosa “Tur Bus”. O interessante é que no Chile as passagens de ônibus possuem o mesmo sistema de avião: quanto mais cedo você compra, mais barato fica, e quanto mais próximo da viagem, mais caro! Com isto em mente, compramos uma passagem para 15 dias depois, fizemos as malas (entenda-se 2 mochilas) e partimos para nossa aventura!

O primeiro trecho, de 720 entre Antofagasta e Árica, era todo feito no Deserto do Atacama, e custou cerca de R$ 80,00 para nós dois. Viajamos por toda a noite, cerca de 9 horas, até aí tudo bem. Ao chegar na cidade de Arica, parecia que estávamos entrando em uma daquelas favelas bem faveladas que a nossa mente pode imaginar... e o pior de tudo, eram 6 horas da manhã, o sol nem havia nascido com toda a sua força ainda, mas... tudo bem, seguimos o fluxo da multidão e não ocorreu nada. Ao chegar nesta cidade, tínhamos que escolher a maneira mais rápida de fazer a travessia para o Peru, e tínhamos basicamente duas: ou íamos num ônibus velho, pagando cerca de R$ 16 ,00 (todos os preços daqui pra frente serão calculados para duas pessoas) e pegando uma fila imensa na fronteira para passar pela imigração, ou pagávamos uma espécie de lotação (entenda-se um carro velho, com pneus carecas, sem cinto de segurança e da década de 60) para irmos mais rápido, por R$ 25,00, para rodar os 60 quilômetros entre uma cidade e outra... Pois bem, escolhemos a segunda opção.

A fronteira (foto tirada pelo "motorista")
Ao entrar no carro, percebemos que, no espaço em que cabiam 5 pessoas, foram enfiadas 7, com um motorista que não parecia entender a gravidade de um carro velho, superlotado e com pneus carecas, pois ele parecia estar encarnado com o espírito do Airton Senna... Mas enfim, fomos nos aproximando da fronteira e chegamos como os primeiros da fila da imigração: tínhamos que descer do carro, passar nossas malas no raio x, apresentar nossos documentos e receber a permissão para viajar, até aí, ok... mas o interessante é que, o posto de imigração fica no meio de um campo minado! Sim, um C-A-M-P-O  M-I-N-A-D-O! Para quem não sabe, o Chile, como país simpático que é, no século passado decidiu entrar em guerra contra o Peru, a Argentina e a Bolívia AO MESMO TEMPO! Por isso, são sempre vizinhos muito simpáticos. Até aí tudo bem, passamos sem nenhum problema, entramos no carro novamente e seguimos na estrada com destino a Tacna, a primeira cidade peruana, quando de repente, o motorista para o carro no acostamento da estrada, desce, abre o capô do veículo e tira do meio do motor um papelote branco que parecia um tijolo industrial... olhos arregalados, cochichei para minha namorada ao lado: “Não fala nada!”... Quando o motorista voltava para o carro, naturalmente, colocou o pacote no colo e dirigiu por mais dez minutos até chegar na cidade, onde no primeiro semáforo entregou o pacote para uma pessoa na cidade... foi assim que quase fui preso a primeira vez por tráfico de drogas! Melhor, TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS!

Mas ocorreu tudo bem, não sofremos nada, o motorista não era um bandido sanguinário, mas somente uma pessoa que deveria estar querendo fazer uma graninha extra servindo de “mula” para os locais... Passando isso, já estávamos mais “espertos” com o sistema local, nos dirigimos à rodoviária de Tacna, e tínhamos que escolher um ônibus para chegar à cidade de Arequipa: seriam 370 Kms que faríamos em 7 HORAS! Porque simplesmente era um dos trechos mais perigosos do Peru, com um caminho montanhoso, que era muito lindo por sinal, no meio do deserto, com paisagens que te faziam se sentir um habitante de marte, com tanta terra vermelha.

Deserto do Atacama - Parte Peruana

Eram 11 horas da manhã quando encontramos uma empresa chamada “Mocquegua”, em que pagamos R$ 30,00 para irmos em um ônibus luxuoso até a cidade: os preços dos ônibus eram mais baratos no Peru, para noooossa alegria! E a viagem correu bem, até chegarmos em Arequipa às 18 horas para passar a noite e outros 2 dias em um hotel que havíamos reservado na noite anterior. Chegamos, passeamos, conhecemos muita coisa linda, comemos as melhores comidas de toda a viagem (a comida peruana é incomparavelmente melhor do que a chilena, se é que podemos dizer que há uma “comida chilena”).

Plaza de Armas de Arequipa - Parte Central da Cidade

Cui Chactado - Uma espécie de Porquinho da Índia assado (suculento)

Filé à Havaiana

Rocottos Rellenos - Pimentão peruano recheado com carne e queijo e bolo de milho


Chegando a hora de sair, estávamos novamente na rodoviária buscando o melhor preço e horário para ir de ônibus para a cidade de Cusco, que ficava a 500 kms de onde estávamos: encontramos uma empresa chamada “Andoriña Taurus” onde fomos em um ônibus, relativamente bom, e o “relativamente” se deve a alguns pequenos fatos: primeiro, as poltronas da “classe econômica” (o andar de cima) pareciam que possuíam um espaço menor do que o que existe entre as poltronas dos aviões do Gol, a janela onde a Lorena (minha namorada) estava não fechava completamente, o que fez uma leve brisa congelante do deserto entrar insistentemente pela madrugada e a deixar com uma inflamação de garganta (eu perguntei várias vezes se ela queria trocar de lugar comigo e ela quase me matou dizendo que queria ir na janela), e pelo fato de que quando eu fui ao banheiro do ônibus de noite, havia uma senhora que não falava uma vírgula de espanhol (parecia falar a língua quéchua), e decidiu travar um diálogo comigo falando o dialeto mais estranho que eu já vi na minha vida... a mulher era uma daquelas senhoras nativas, com aqueles saiotões, com aqueles chapéus peruanos, um saco amarrado nas costas e parecia que não tomava banho há 3 semanas.... Enfim, o problema do ônibus não era a tia, mas a tribo dela inteira que estava no ônibus e com a mesma dieta de banho, ou seja, o cheiro era M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O! E só tínhamos que encarar essa viagem por 12 HORINHAS! Porque se o trajeto anterior era lento, este era pior ainda, porém era muito mais lindo!



Um oásis no caminho

Chegamos em Cusco, são e salvos, fomos para o hotel (na verdade era um hostel) onde nos hospedamos em um dos piores quartos de nossa vida: mas tudo foi compensado pela gentileza dos cidadãos peruanos e pela beleza da cidade de Cusco! Quem um dia for para lá, recomendo tomar um Café na Starbucks da Plaza de Armas de noite, vendo as estrelas e as luzes dos morros da cidade, curtindo um friozinho de 2 graus.

Plaza de Armas de Cusco - Foto da Torre da Igreja dos Jesuítas

Passamos dois dias rodando a cidade para conhcer as ruínas que haviam nela, a história, a gastronomia, até que tínhamos que partir para Macchu Picchu: este era o último trajeto da viagem, e só se podia fazer de trem, pois não existem estradas que ligam a cidade de Cusco até o povoado de Aguas Calientes, onde fica a base do Santuário de Macchu Picchu. Este trecho era de 50 Kms e foi o mais caro de todos – gastamos cerca de R$ 600,00 para fazê-lo (ida e volta) – sendo também o mais bonito de todos, onde o trem ia ladeando um lindo rio, tendo várias ruínas no caminho e com uma cordilheira de montanhas nevadas ao fundo. Este trajeto começa às 9 da manhã e chega ao vilarejo ao meio dia.




A cidadezinha é linda, com muitos bares e restaurantes (aliás, deve ser uma das poucas fontes de renda da cidade que recebe milhares e milhares de turistas ao ano). Passamos um dia lá, de onde partiríamos no outro dia para a montanha, que estava a cerca de 2 800 metros do nível do mar, sendo que teríamos que subir cerca de 650 metros, do local onde estávamos até o topo do santuário: ou faríamos aquilo a pé, de graça, colocando os “bofes” para fora de tanta dificuldade de respirar, ou pagaríamos um microônibus que subiria conosco em uma pista simples de terra, sem nenhum tipo de guard rail, com o motorista aloprado fazendo curvas que te fariam rezar pedindo perdão por todos os pecados de sua vida – claro que escolhemos a segunda opção! Chegamos VIVOS ao topo da montanha, e ela era linda! Ao chegar lá havia também um guia turístico nos esperando, e faríamos um tour guiado em grupo de 2 horas, em um sol escaldante (e repare que estávamos quase 3 quilômetros mais perto do Astro Rei), o que te fazia se sentir um Peru assando ao forno (talvez seja daqui que venha o nome do país... De um sentimento coletivo da nação ou dos turistas... Não sei! LoL).

O vilarejo de Águas Calientes, também conhecido como Macchu Picchu Pueblo 
O grande troféu - A foto na montanha

Duas horas debaixo do sol, sem nenhuma sombra de árvore em que poderíamos nos esconder, o resultado não deu outra: após descermos maravilhados com a beleza do local, começamos a passar mal, muito mal! Quando você vê os jogadores de futebol quase morrendo no campo reclamando da altitude, não pense que é besteira... E isso porque ainda havíamos tentado nos prevenir antes: quando ainda estávamos em Cusco, havíamos comprado um pacote de folhas de coca seca, vendidos em uma farmácia, pois os nativos diziam que se mastigássemos elas sairíamos com a capacidade cardiorrespiratória fortalecida... o que obviamente não fez efeito nenhum sobre a gente, que estava acostumado somente a arnica como recurso natural para qualquer coisa!

Enfim, tínhamos que voltar no mesmo dia para Cusco, pois nosso trem saía naquela mesma tarde, às 5 horas! E assim foi feito, só que desta vez, o tem só iria até a metade do caminho, ao passo que tivemos que fazer a outra metade em uma vã clandestina, com os pneus carecas e com o mesmo estilo peruano maluco de dirigir... chegamos VIVOS (obrigado Deus!) em Cusco, por volta das 9 horas da noite! Passei uma das piores madrugadas de minha vida – tenho pavor de passar mal, e quando sinto que estou começando, passo mais mal ainda... no outro dia pela manhã, eu estava pedindo para Lorena me levar ao hospital, senão eu iria dar um treco... não tinha como, mas a mulher do hostel em que estávamos disse: “Yo conosco um buen medico que puede venir acá por um buen precio, barato!” eu pensei comigo: “É a salvação dos meus problemas”... Lorena me olhava com uma cara, onde eu podia ler seus pensamentos “mais é muito dramático mesmo...”... chegou um guri, com uma cara de 18 anos, vestido com um jaleco de que parecia que estava vendendo pastel em feira, me fez umas 3 perguntas e anotou em um bloquinho de papel a receita: “aspirina, bromoprida e gatorade”, e me cobrou R$ 100,00 por esta porcaria!!! A PARTIR DAQUI EU VI QUE ERA MUITO CARO PASSAR MAL... (Lorena ria de minha cara... horrores... porque ela mesma já havia me receitado aquilo).

Enfim... começamos a fazer todo o trajeto de volta para o Chile, e ainda com os estômagos embrulhados, tanto eu como ela, já estávamos amarelos de tanta fome, e parecendo dois periquitos que só se alimentavam de água e bolacha “cream cracker”, enfrentando uma viagem de quase 30 horas de ônibus. Quando já estávamos no último trecho, uma senhora chilena nos viu comendo nossas bolachas habituais e, em uma parado do ônibus, voltou para seu assento do lado do nosso, abriu uma sacola e pegou dois sanduíches e dois sucos de caixinha e nos ofereceu... nós havíamos agradecido e recusado, mas ela insistiu de uma forma que depois entendemos que era porque estávamos parecendo dois sem teto viajando em um pau de arara, morrendo de fome... boa alma, achou que não tínhamos dinheiro para uma refeição “boa”... mal sabia que o problema era mais estomacal que este... enfim, fomos quase obrigados a comer o sanduíche, e parecia que ele brincava de gangorra em nossos estômagos com o chacoalhar do ônibus... Mas quando tudo parecia ter acabado...

Eram três horas da manhã quando o ônibus parou em um posto policial, onde sabíamos que a polícia chilena era uma das mais ferrenhas da América Latina, o policial entrou no ônibus, mandou todos desceram com as malas de mão, e tirar as malas dos bagageiros: as maiores passariam pelo raio-x, as de mão seria revistadas manualmente. Até aí tudo bem, mas quando eu, ainda com o sono recém despertado, perguntei baixinho: “amor, o que você fez com aquelas folhas de coca?”... “coloquei na sua mochila amor”... Naquela hora eu parei de passar mal do estômago e comecei a passar mal do intestino, REPENTINAMENTE! E comecei a imaginar a situação: VINHERA DO JORNAL NACIONAL – (Leia com a voz do William Bonner): “Boa noite, casal de brasileiros é preso no Chile por tráfico internacional de drogas”... Tá, foi exagerado isso, mas eu não sabia se os guardas iriam encrespar com umas folhinhas inofensivas e industrializadas de coca. Watheaver! Foi quando o cara chegou, abriu minha mochila, revirou ela com sua mãe dentro, e nada encontrou... ufa! Entramos de volta no ônibus, seguimos o resto da viagem, até chegamos às 5 da manhã de novo em Antofagasta, resutlado: joguei as malditas folhas na primeira privada que encontrei, peguei um taxo e fui embora pra minha casa... afinal de contas, não é em toda viagem que se é quase preso duas vezes!

Ê 'seu' guarda, se o senhor soubesse o que eu tomei no país vizinho... hehehehe
Enfim, esse foi uma das dezenas de histórias que a gente arrumou em nossas andanças... E aqui fica a lição de moral da história: antes de cruzar a fronteira, verifique se não existem folhas de Coca com você! =D

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A CAIXA DE SKINNER ME LIBERTOU DA RELIGIÃO

Caixa de Skinner

Quem estuda ou estudou psicologia sabe que “Caixa de Skinner” é o nome de uma ferramenta para pesquisas em comportamento animal que, geralmente é utilizada nas aulas de graduação nos primeiro períodos, cuja finalidade é demonstrar o como um comportamento pode ser modelado: Isso quer dizer que, se aplicarmos as devidas recompensas ou punições, podemos manipular o comportamento (até certo ponto) da forma como queremos. Geralmente esta caixa, feita de um material acrílico transparente, é utilizada para fazer este tipo de exercício com ratos de laboratório: coloca-se um rato sem nenhum tipo de treinamento e, a cada vez que ele pressionar uma barra, ele é recompensado com uma gota de água. Desta forma o rato vai aprendendo que, suas ações são recompensadas se ele emitir determinado tipo de comportamento, mesmo não tendo a ideia de que existe uma pessoa do outro lado apertando um botão para isto.

A única coisa que esta pessoa quer é manipular o comportamento do rato, pela simples vontade de aprender a fazê-lo, ou para qualquer outra finalidade. Só que tal tipo de exercício não funciona somente com rato: pode ser feito com pombos, cães, outros animais, e também com o ser humano.

Todavia, a caixa de Skinner humana é um pouco maior e não é feita de materiais físicos (por mais que possa ser também), mas é composta por forças que também são extremamente capazes de modelar o comportamento humano: essa caixa de Skinner humana se chama “cultura”.

A cultura é um conjunto de produções simbólicas e afetivas que se expressa através de uma série de informações, tecendo redes de poder e significação que, por sua vez ditam a vida do ser humano: é por isso que falamos português e não chinês, afinal, nascendo no Brasil, o que aprendemos é o que nos foi determinado pela sociedade que aqui estava antes de nascermos. Todavia, a cultura, expressada pela sociedade, manifesta-se através de diferentes tipos de agências, que por sua vez são utilizadas para regularem as relações entre os homens, sendo as mais conhecidas a família, a escola, a igreja, o trabalho, etc.

Assim, tais agências não regulam somente os comportamentos mais “visíveis” do ser humano, mas também os invisíveis, moldando a maneira como os homens sentem, percebem, interpretam e se comportam no mundo. Por isso é comum que pessoas que nasçam em uma religião, não tendo muita condição de conhecer coisas além desta caixa de Skinner, permaneçam nela, assim como nos casos em que pessoas acreditam piamente que só serão felizes se casarem, tiverem filhos, ou que sua vida seria melhor se tivesse nascido na Finlândia. Enfim, as pessoas vivem e se comportam com base nestas determinações culturais.

Quando entrei na faculdade, dos 16 para os 17 anos, eu era uma pessoa muito religiosa, e saí da mesma sendo uma pessoa totalmente antirreligiosa (note que isso não significa ser uma pessoa atéia), por ter entendido que, grande parte das coisas que se falavam em uma agência religiosa era sem fundamento: isso foi a tipificação de Mateus 15:14, “cegos que queriam guiar outros cegos” (paráfrase). Porque falo isso? - Não, não estou cuspindo no prato em que comi, afinal conheci muita gente boa e legal (mas também conheci muita gente que não precisaria ter conhecido), e aprendi muito com elas, mas isso não me faz ter que concordar com todas as suas práticas, não é mesmo?! – Falo isto porque, quando uma pessoa se dispõe a ensinar outra, ela deve pelo menos saber do que está falando, e muitas vezes as pessoas não sabiam. Em nome de um livro que pouco conheciam, replicavam um “cristo” que lhes foi apresentado por fontes secundárias (poucos pessoas haviam lido seu livro sagrado inteiro pelo menos uma vez, sequer o estudaram), fazendo ensinamentos que eram cheios de tradicionalismos vãos, modismos baratos, teologias mancas, interpretações distorcidas e pensando que qualquer arrepio na nuca era uma “comunicação divina”.

Muitos me perguntam se sou “revoltado com a igreja”... Não! Sou revoltado com as empresas religiosas! Igreja é um conceito relacional revolucionário que surgiu na palestina do século I, com base na fraternidade dos homens, sem ritualismos, sem aprisionamentos e sem hipocrisias.

Um dos versículos mais comentados de todos os tempos é: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” João 8:32 , mas é um versículo não seguido pelos religiosos! Ora, quantas vezes eu tive que escutar de gente tola de que a “faculdade afastava as pessoas de Deus” ou de que “ciência e fé não combinam”... NÃO, NÃO e NÃO! Ciência afasta o homem das crendices e da religiosidade, nunca de Deus! Ciência afasta o homem da religião, nunca da fé!

Não existe nada no mundo, na ciência, na filosofia que seja conclusivo contra a existência de um Deus, mas existe muita coisa na ciência que mostre o quanto os rituais são mecanismos de modelagem do comportamento humano e que você não precisa de nenhum ritual para ser bom. Isso me fez compreender de verdade a noção do cristianismo: crer no Deus do amor, e o amor é invisível.

Porque estou escrevendo este texto: porque estou cansado de gente que fica com “quem te viu quem te vê”, “nossa como você tá mudado”, “você desviou por quê?” ou qualquer coisa do gênero. É lógico que eu mudei, vi o tanto de ensinamentos que me eram empurrados como se fossem coisas “sagradas”, mas que nada mais eram do que um pacote de condicionamentos culturais. É lógico que mudei, fiquei muito mais crítico às mentiras que pareciam verdades que me eram enfiadas garganta abaixo. Não descri de Deus em nenhum momento, minha fé nele nunca se abalou, mas não tenho paciência para rituais vazios feitos entre quatro paredes.


E por fim, mudei mesmo minha forma de pensar, não sou um poste que fica sempre no mesmo lugar. Não tenho compromisso com nenhuma posição que eu julgue estar errada. E tenho um recado para os que se diziam meus “irmãos na fé”, mas que nunca comeram sequer um “x-tudo” comigo, ou que me perguntaram como eu estava nestes quase 10 anos longe de sua empresa religiosa: Estudem sobre sua fé, busquem a verdade, e amem de verdade, não só de aparência, mas não pensem que quem não concorda com seu jeito de pensar é vil e desprezível, pois tanto esta pessoa quanto você tem 50% de chances de estarem certas, ou erradas.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Nem católico, nem evangélico: O cristianismo é o cristianismo



Estamos cansados de escutar da boca de religiosos, profissionais ou leigos, as frases de que a “verdadeira Igreja de Cristo é a católica” ou que a “igreja evangélica é a reforma do cristianismo primitivo, um reavivamento do amor inicial da fé cristã". Este texto visa combater estas teses, com bases teológicas, filosóficas, históricas e socioantropológicas, mostrando que o cristianismo não é e nunca foi pensado para ser uma religião.

Em primeiro lugar é bom estabelecer o significado da palavra “Igreja” que do grego “Eclésia” quer dizer “assembleia”, cuja ideia é a da reunião de todos aqueles que comungam de um mesmo ideal, e no caso do cristão, o conceito de igreja se associa não a uma entidade física ou institucional, mas a um ente relacional composto por um corpo de princípios filosóficos e espirituais. Como assim? Simples, Jesus (enquanto personagem histórico) nunca se fixou em um lugar, estabeleceu liturgias, ou institucionalizou os seus ensinamentos. Um exemplo disso, em seus ensinamentos, ocorreu quando o grupo dos Fariseus estava preocupado em encontrar o “reino de Deus” em algum lugar concreto:

“E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respondeu-lhes, e disse: O reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós” Lucas 17:20,21

O que acontece é que o conceito de reino de Deus está no terreno do “ENTRE”, ou seja, é relacional, demonstrando claramente que o conceito de igreja nasceu para ser relacional e não institucional. O problema é que, com o passar dos séculos, as comunidades foram se embrenhando no poder político dos reinos e impérios que se seguiam, e passaram a perverter o conceito de igreja, tirando-o do “ethos coletivo” para o do “institutio”, trocando as relações de amor, por relações de poder. Neste sentido, as instituições religiosas cristãs passaram a ser fiscais da fé de seu próprio grupo e da fé alheia, transformando-se em um objeto pervertido e assombroso com dois milênios de vida. Muitas delas, inclusive, passaram a se parecer mais com “imobiliárias da salvação” do que com qualquer instituição que prezasse com mudanças sociais efetivas no modo de ser/pensar perverso do mundo.

Digo isto com muita clareza ao afirmar que a Igreja Católica é uma invenção romana do século IV d.C., que começa a surgir a partir do Concílio de Nicéia, em 325 d.C., por ordem o Imperador Constantino que em decreto cessou a perseguição aos cristãos. Mas o golpe mais duro viria em 380 d.C., quando o imperador bizantino Teodósio I, declarou que o cristianismo era a religião oficial do Império e que todos os povos deveriam se converter a ela, ou seriam perseguidos pelo mesmo. Isso foi um trágico golpe ao cristianismo primitivo que, em suas origens mais puras, nasce em CONTEXTO JUDAICO, e não romano, no sentido de que, deixando de ter uma fé desintitucionalizada, passaram a ter seus costumes brutalmente sintetizados com a mitologia Greco-romana: os templos que eram usados pelo paganismo, passaram a ser locais de veneração cristã; o dia de descanso passou de sábado (costume judaico) para domingo, em atenção ao costume do “dia do Sol” (o deus Mitra, dos romanos, era considerado o deus-sol, e os seu dia sagrado era o domingo – “Sunday”); assim como o Natal passou a ser celebrado em 25 de Dezembro, pois esta era a data do nascimento de Mitra; as estátuas de Hera, Afrodite e Atenas, foram facilmente transformadas nas imagens das “virgens” ou “santas” (Maria, Madalena, Ana, etc), assim como as dos deuses Zeus, Apolo, Hermes, Poseidon, foram facilmente sincretizadas com os “santos católicos”; e assim se seguiram vários outros exemplos, muitos dos quais perduram até hoje, como a de alguns os rituais, vestimentas, instrumentos da missa e etc.

E foi-se deteriorando o cristianismo até que, insuportavelmente, de forma política, econômica e social, irromper no movimento da Reforma Protestante, no século XVI. Muitos pensam, neste sentido que, a reforma foi uma rebelião conduzida por Martinho Lutero (1483-1546), mas uma análise mais ampla nos mostra que a reforma protestante foi um movimento descentralizado que ocorreu durante mais de um século: Jerônimo Savonarola (1452-1498) foi um padre domiciano da cidade de Florença que conduziu um movimento focal de reforma cristã até o ponto de ser assassinado pela autoridades locais a contento do papa Alexandre VI (1431-1503), antes mesmo de Lutero surgir na cena histórica; Ulrico Zwinglio (1448-1531) também foi um reformador que atuou na suíça que com êxito conseguiu organizar um movimento religioso em seu país. Também houve, dois séculos antes, como precursores da reforma, John Wycliffe (1328-1384), na Inglaterra e; John Huss (1369-1415).

Enganam-se também aqueles que tentam “espiritualizar” tudo, vendo a Reforma Protestante como um movimento de “ovelhinhas santas” que tentavam se desvencilhar dos seus tosadores: também existiam muitos interesses políticos, econômicos e sociais na questão, e isso é simples de se perceber ao ver que o Príncipe Frederico da Saxônia (1463-1525), grande protetor de Lutero, estava muito interessado em, juntamente com seus nobres, subverter o poder e os bens da Igreja Católica para seu reino, assim como o Rei Henrique VIII (1491-1547) que possuía interesses claramente católicos, rompeu com o papa e sua igreja porque não lhe foi dada a autorização para se divorciar e casar-se com outra mulher, criando assim sua própria Igreja Nacional, a Anglicana (na Inglaterra).

Logo, foram vários os motivos que levaram à reforma protestante, e um foi se valendo do outro até chegar ao ponto em que através de várias rebeliões, oficialmente cindiu-se a igreja, criando uma nova tradição ou ideologia cristã.

Em se tratando de movimento político, social, econômico e cultural, a reforma protestante representou um salto e um grande avanço na história mundial, na medida em que colabora para a superação da Idade Média e da dominação católica, ainda que sob duras penas e de algumas formas seriamente questionáveis.

Mas o que acontece é que a reforma protestante não apresentou-se como um movimento homogêneo e unívoco, na medida em que, um de seus pilares políticos e sociais, era o da afirmação da liberdade humana: liberdade de culto, liberdade de consciência, e liberdade de exame às escrituras. Todavia, tal princípio não durou por muito tempo, pois em algumas regiões na medida em que ia se conquistando a hegemonia sob a coletividade, passaram a reproduzir de diferentes maneiras os mesmos modus operandi do catolicismo. E a partir daí travaram-se vários confrontos e guerras, tudo em nome da fé – e por sinal, até hoje vemos reflexo disso em nossa cultura ao ver a hostilidade entre determinados grupos de católicos e de evangélicos.

Mesmo não sendo um movimento “puro”, teologicamente falando, a reforma protestante apresentou consideráveis avanços na tentativa de um retorno a um projeto de espiritualidade primitiva, estes que culminaram alguns séculos depois na doutrina das 5 solas (dá uma pesquisadinha no Google a respeito... =), é um tema bacana), mas que falharam, sob meu ponto de vista, na medida em que, buscando livrar-se da dominação da igreja católica e por um ideal de fé livre, condicionaram tal fé à uma outra estrutura eclesiástica, copiada de sua mãe litigiosa (a Igreja Católica). Neste sentido, um dos grandes problemas é que, lutando pela liberdade de crença, condicionaram o pensamento e a fé cristã a uma instituição.

Isso é simples ao observarmos o hermetismo (essa capacidade que as igrejas têm de se fecharem em si mesmas e não dialogarem com o mundo, não aceitarem críticas, não se envolverem mais ativamente com o social, não estudarem outras teorias a não ser as suas caseiras) que a maioria das instituições pós-protestantes (uso este termo para não falar evangélicas, pois ainda chegaremos lá) possuem.

E assim foi a reforma protestante, desde o ano de 1517, em que se estabeleceu oficialmente enquanto “Igreja” (ou movimento espiritual, de pensamento filosófico), com o afixamento das 95 teses de Lutero na catedral de Wittenberg (Alemanha), até o ano de 1906, nos Estados Unidos, onde começa a Igreja Evangélica, no famoso “Avivamento da Rua Azusa”: Aqui se marca uma quebra fundamental no paradigma do pensamento protestante, onde se dividem protestantes (Igrejas Tradicionais) de Evangélicos (Igrejas Pentecostais). Todavia, com o passar dos anos e com a crescente multiplicação desta segunda via (o movimento pentecostal é conhecido como a segunda via do pensamento protestante), e com a conversão de igrejas tradicionais em pentecostais, a igreja passou a cada vez mais se nomear como “evangélica”. E o mais interessante é que o Brasil também possui um papel importante nesta história, ao passo que a maior igreja pentecostal do mundo é a Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Brasil, de onde surgiram grande parte das dissidências que fundariam a terceira onda do movimento protestante, a partir da década de 70, com as Igrejas Neopentecostais, que seriam exportadas para o mundo (Igreja Universal do Reino de Deus é um exemplo).

As igrejas neopentecostais foram as responsáveis por trazer outro nível de organização do sistema religioso protestante à sociedade, na medida em que, seu apelo subiu de nível socioeconômico e cultural: o “esgotamento” natural das camadas sociais mais baixas onde as igrejas pentecostais pregavam (onde as igrejas pentecostais tinham um forte apelo por sua teologia “exorcista” e “curandeira”, mostrando o ideal imediatista de solução de problemas sociais) foi dando lugar a um projeto de classe média que ia emergindo no final da ditadura militar e reabertura da democracia, onde as igrejas neopentecostais, com seus discursos mais leves em relação aos usos e costumes (mulheres poderem usar calças, maquiagens, ser permitido aos fiéis assistir televisão, jogar futebol, etc.) e com forte apelo a Teologia da Prosperidade (afinal de contas, a classe média que começava a esboçar-se precisava de um discurso para si). E assim surgem as igrejas com fortes discursos expansionistas, capitalistas, triunfalistas, imperialistas, com forte apelo no marketing, na psicologia da confissão positiva, em uso de técnicas de hipnose (ainda que de maneira inconsciente, ou não), cada vez mais centradas no culto ao “ego” e com uma estrutura administrativa cada vez melhor estabelecida através de “Redes”, “Células”, “Modelos”, etc, passando a importar cada vez mais as músicas, costumes e hábitos de outros países (Colômbia, Coréia do Sul, Austrália e principalmente dos Estados Unidos), criando uma classe de consumidores de religiosidade.

Todavia, estas igrejas preservaram alguns aspectos interessantes do movimento pentecostal, colocando-se cada vez mais em oposição às igrejas protestantes históricas, no sentido de que tornaram-se cada vez mais herméticas, e combatentes à qualquer tipo de crítica externa: afinal de contas, qualquer tipo de pensamento que parecesse difícil ou impossível de ser rebatido pela comunidade religiosa, rapidamente era taxado de herético ou rebelde em uma espécie de mini-inquisição do pensamento no século XXI. Todavia, este parece ter sido, em conjunto com série de escândalos e com uma teologia mais fraca do que gelatina sem sabor, um dos grandes motivos para uma série de debandada em massa de fiéis, principalmente jovens, a partir dos anos 2000; estes que passaram rapidamente a ser taxados de ovelhas rebeldes, vendidos, “desviados” ou “fracos na fé”.

E todo este processo se dando em claros “loopings” da Igreja Católica na tentativa de arrebanhar fiéis em todo este processo: o movimento da Renovação Carismática Católica, pareceu surtir certo efeito no Brasil, na medida em que, pentecostalizou a igreja católica e deu uma aparência levemente mais “underground” para sua liturgia. Outro movimento interessante foi o surgimento de um papa latino-americano que tem causado profunda comoção na mídia através de posturas que se apresentam como pequenas revoluções dentro da estrutura católica.

Enfim, depois de ter feito todo este panorama, vou ressaltar alguns pontos: a fé cristã é centrada na pessoa do Cristo, que não estabeleceu dogmas, liturgias, nem maneiras de culto, mas, cujos ensinamentos foram expressos através de parábolas que exemplificavam PRINCÍPIOS que são anteriores, maiores e mais profundos do que qualquer tipo de lei. E toda sua obra é resumida em dois princípios Bíblicos:

“E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mateus 22:35-40

Ora, é tão claro e simples como a água: Jesus resumiu toda a lei, sendo ela civil, penal, espiritual ou qualquer escambau, em dois simples versos – amar ao próximo e amar a Deus, que em última instância é “amar ao próximo”:

“Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?” 1 João 4:20

O problema de muitos católicos, evangélicos e ortodoxos (e aqui eu faço uma crítica a todos os sistemas institucionalizados de fé cristã) é o de, às vezes, encarar a Bíblia como um livro de contos de fadas, ou uma espécie de manual ou gibi espiritual, e não como um livro histórico, literário e filosófico, repleto de princípios que estão gritando para serem explorados através de ferramentas hermenêuticas.

Muitos teólogos, profissionais ou amadores, advogam a fala que “a Bíblia deve ser interpretada em um contexto”, mas olham somente para o contexto interno (no sentido da coesão literária, etc), mas esquecem-se de olhar para a mesma para os contextos culturais, históricos, sociais, econômicos, linguísticos, educacionais, que haviam na época, que eram muito diferentes dos nossos e que, consequentemente deram espaço para diferentes compreensões dos princípios existentes por trás do texto bíblico. Digo o texto bíblico por entedê-lo como um rico arcabouço de princípios para a fé e filosofia cristã.

O problema é que a institucionalização milenar do cristianismo, com todas as interpolações do paganismo, do romanismo, da política, das guerras, das diversas culturas, condicionaram a interpretação atual de grande parcela dos “pensadores” caseiros das igrejas. Some isto ao já criticado hermetismo das instituições e você terá um modelo escabroso, esquizofrênico e cruel de uma falsa espiritualidade travestida de fé: como em pleno século XXI uma igreja fala contra métodos contraceptivos? Como em pleno século XXI uma igreja fala contra divórcio? Como em pleno século XXI uma igreja permite que pastores boçais utilizem-se de espaços nas mídias para oprimir grupos homossexuais, de outras crenças religiosas ou políticas e etc? Ao ler estas perguntas, um leitor “condicionado” pelo pensamento religioso institucionalizado iria pensar “heresia”, mas não sabe explicar o significado cultural, histórico, antropológico e sociológico do divórcio, e qual o princípio cristão que havia por trás da proibição (não recomendação) do mesmo no século I.

Dou uma simples dica: uma mulher divorciada (que na verdade, era repudiada), em uma sociedade extremamente machista, onde era vista como um “ser inferior”, um objeto de posso do homem, teria somente duas opções – a mendicância ou a prostituição, caso contrário, morreria de fome, pois não era aceita pelos pais novamente em casa. Oras, não havia INSS, segurança social, pensão, comunhão de bens, mercado de trabalho feminino no século I, e o princípio cristão por trás da não recomendação do divórcio era o de elevar às mulheres a uma condição de igualdade para com os homens e, para que as mesmas fossem tratadas com o mesmo respeito que o mesmo. Todavia, mesmo o apóstolo Paulo, escreveu textos machistas (de que a mulher deveria ficar calada na “Congregação”, confere em I Coríntios 14:34-35) na Bíblia, mas não por “maldade”, mas porque a estrutura de pensamento social da época era assim. Oras, se queremos advogar um cristianismo inteligente que considera os contextos para não ter pretextos, devemos levar em conta as questões históricas, culturais, sociológicas, antropológicas e psicológicas da teologia.

“Ah, mas esse negócio de cultura é uma conversa para flexibilizar a fé em prol de interesses particulares”... então me responda porque o seu deus (com “D” minúsculo, porque não pode ser um Deus Bom), permite a escravidão?

“Vós, escravos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus.” Colossenses 3:22

O fato é que existem inúmeros outros textos que não podem ser respondidos por uma fé institucionalizada, justamente por ter um pensamento estreito que não dá conta de levar em consideração outros pontos de vista que não sejam aqueles cravados no ego ou no etnocentrismo.
Mas depois de todo este texto longo, o que eu quero dizer, em suma é: o cristianismo que conhecemos hoje, nada mais é do que um monte de cópias, interpelações, violências históricas, teóricas, filosóficas e misturas que nos foram impostas pelo decorrer dos milênios através de tradições institucionalizadas que tentaram sob todas as formas e forças dogmatizar o pensamento e dizer o que “pode e o que não pode”. Oras, a lei sob o qual estávamos, enquanto cristãos, caiu para que entrássemos na era da graça:

“Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.” Romanos 6:14

E quando eu falo graça, eu falo “GRAÇA”, não permissividade, pois a graça está sob nossas consciências em Cristo, cujo limite é o amor ao próximo e a Deus. De resto, busquemos todas as coisas sob as quais não há lei, pois é sobre elas que se resume o cristianismo:

“Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei.” Gálatas 5:22-23

Sendo que são estas coisas que resumem a busca do homem na terra, enquanto caráter, e mostram por oposição, tudo aquilo que o ser humano tem que renunciar... fora de qualquer institucionalidade, dogma, cabresto, prédio, ou sistema condicionador.

Cristianismo não é religião, é modo de viver, e um modo de ser baseado na verdade, sob a qual repousa a total liberdade do homem:

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8:32
.....
Em Jesus de Nazaré, que nos libertou da ignorância,

Murillo Rodrigues dos Santos

Psicólogo, mestrando em psicologia, pesquisador em psicologia da religião.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A páscoa, como a vivemos hoje, é uma festa cristã?


Não, não e NÃO! Para começo de conversa a páscoa não é uma festa, originalmente cristã: Ela é uma festa judaica, que foi criada como forma de gratidão à Deus pelo êxodo do Egito, no episódio em que os mesmos aspergiam sangue nas portas, reuniam a família e comiam um cordeiro como um ritual familiar. Esta festa foi conhecida como Pessach e foi posterioremente resignificada com os cristãos, ao afirmarem a morte e ressurreição de Jesus Cristo. De toda forma, não há registro de que os cristãos primitivos (que eram judeus) houvessem modificado o ritual original, a não ser pela inserção da figura do Cristo como centro de adoração.

Mas como foi que apareceu o tal do coelho de páscoa, os ovos, o chocolate? Em primeiro lugar, há que se perceber que, para estabelecer-se como religião oficial do Império Romano (que agregava uma série de etnias e tribos), o cristianismo teve que fazer uma série de concessões ritualísticas e de cunho político às outras religiões, de modo a sincretizá-las em sua liturgia: O natal por exemplo, passou a ser celebrado no dia 25 de Dezembro, para apaziguar os adoradores de Mitra, deus-sol que foi historicamente adorado entre persas e romanos, cujo nascimento era atribuído à este dia. Com a páscoa foi semelhante – Existiam, especificamente duas tradições à época do Império Romano que influenciaram o modelo atual de páscoa que para nós foi importando nos dias atuais; os egípcios e os povos anglo-saxões.

Existiam rituais de renascimento e morte, que eram simbolizados no Egito Antigo na figura do deus Osíris, o deus da fertilidade, onde a liturgia era feita através de cerimônias com ovos pintados e adornados com pedras preciosas. Para quem não sabe, a cultura egípcia teve uma forte influencia no Império Romano, desde que este foi incorporado à Grécia Helenística.

Neste sentido, outra cultura que teve forte influência na religiosidade romana foi a dos povos anglo-saxões, que possuíam à época o culto a sua deusa da fertilidade que era conhecida como Ostara, Eostre ou Easter (este último nome fazendo alusão direta ao atual nome inglês dado à festa da Páscoa). As festividades desta deusa também consistiam na pintura e adorno dos ovos, que posteriormente eram escondidos para serem encontrados por adultos e crianças. Outro ponto interessante era que, o animal que representava esta deusa, era o coelho, pois o mesmo se reproduzia muito rápido e em grande quantidade, o que simbolizaria a fertilidade.

E o chocolate? Foi se incorporando aos poucos à tradição católica graças aos luxos conquistados pela burguesia durante a Idade Média, diante das novas tecnologias alcançadas  à época.

Alguma dúvida de porque a páscoa ocidental é chamada de Easter e não de Pessach? Simplesmente porque a Páscoa como a conhecemos hoje é uma tradição importante de duas das maiores instituições civilizatórias da atualidade: O Romanismo Católico e a Cultura Inglesa/Estadunidense.


Logo, a páscoa, como a conhecemos hoje, não é uma festa originalmente cristã, mas uma festa expropriada dos judeus, que passou pelo cristianismo judaico, para um romanismo egípcio e anglo-saxão, ao ponto de ser exportado para as Américas por colonos europeus, de forte tradição italiana e inglesa.

Imagem: Extraída do Google Imagens

Texto por: Murillo Rodrigues

domingo, 29 de março de 2015

Como ocorre(u) o processo de evangelicalização do Brasil


Estatisticamente os evangélicos deixaram de ser um grupo minoritário no Brasil há anos, e isso só está surpreendendo cientistas sociais depois de o censo do IBGE de 2014 ter divulgado dados em que aponta que 25% da população brasileira já se define como tal: O que parece ser estatisticamente baixo se torna amplificado se pensarmos a extensão territorial e populacional do Brasil.

Mas como isso ocorreu em um país historicamente católico em tão pouco tempo? Obviamente, não foi do nada! E pasmem, nem foi por tão pouco tempo assim: A história da igreja evangélica no Brasil começa muito antes do que se imagina, com o Protestantismo de Imigração, sendo que a primeira igreja protestante se estabeleceu no Brasil no ano de 1557, com os franceses (Igreja Reformada Francesa), seguida da Igreja Reformada Holandesa, que foi estabelecida em 1630 (quase um século depois). O que ocorre é que a partir daí foram dando-se saltos cronológicos para o estabelecimento de outras denominações, como a Igreja Anglicana em 1816, a Luterana em 1824, a Congregacional em 1858, a Presbiteriana em 1862, a Metodista em 1867, a Batista em 1871, dentre outras, sendo todas estas as igrejas da Protestante Histórica.

Essas primeiras igrejas se estabeleceram no Brasil inicialmente como produto de exportação de imigrantes franceses, holandeses e ingleses, que obtiveram do Império a permissão para estabelecer o seu culto no país, desde que as sedes das igrejas não possuíssem nenhum tipo de aparência que as identificassem como templos religiosos (daí uma parte a diferença arquitetônica entre igrejas católicas e evangélicas no Brasil) e que as mesmas não fossem proselitistas (ou seja, que não evangelizassem a população). Todavia, com o passar do tempo e com o aumento da população no Brasil, seguido de pressões populares, a liberdade de culto e evangelização foi sendo afrouxada. O estabelecimento destas igrejas no Brasil passou a ser conhecido como Protestantismo de Primeira Onda.

Todavia a liberdade de culto que as igrejas hoje possuem só passou a ser permitida com o advento da República, com o Estado Laico! Isso mesmo, parece ironia se olharmos hoje o fato de que, a ideia de um Estado Laico (que é combatida por alguns fundamentalistas religiosos de maneira absurda) foi a que permitiu parte da expansão da igreja evangélica no Brasil.

Em 1910 fundou-se a primeira denominação evangélica pentecostal no país, com a Congregação Cristã do Brasil, seguida no ano seguinte por aquela que se tornaria como a maior denominação evangélica desta vertente: A Igreja Assembleia de Deus – esta teve um papel importantíssimo na propagação da mensagem evangélica no país, pois possuía um cunho extremamente missionário (foi fundada por dois missionários suecos em Belém - PA) com um discurso extremamente acessível à população com menor instrução e nível econômico. Essas igrejas inauguram a Segunda Onda do Protestantismo Brasileiro, das igrejas pentecostais que possuíam forte apelo nas camadas sociais mais baixas da população, e que incorporavam elementos religiosos e linguísticos cada vez mais populares. Nelas existe uma valoração muito extensa de elementos ritualísticos “mágicos” como exorcismos, curas divinas, línguas estranhas ou outras manifestações do tipo, sendo que os mesmos foram se incorporando com muito sucesso no imaginário e no cotidiano de uma população sofredora e carente de assistência, em qualquer nível, sendo que esta passou a ser fornecida mais pela igreja, do que por um Estado incipiente.

Foi muito rápida a proliferação de igrejas evangélicas pentecostais no país, alcançando lugares onde o próprio Estado não alcançava: As favelas, os sertões, as florestas, os campos, as periferias. E as denominações multiplicavam-se quanto mais se manifestavam as incertezas e dificuldades dos líderes religiosos se acertarem teologicamente, pois não era raro o fato de que, se um líder discordasse de outro em algum aspecto teológico ou administrativo, este logo fundava uma outra denominação. E assim ocorreu com igrejas como “O Brasil para Cristo”, em 1955; “Igreja Cristã de Nova Vida” em 1960; “Deus é Amor”, em 1962.

Todavia este panorama desembocou no que se conhece como a Terceira Onda do Protestantismo Brasileiro, inaugurado pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 1977, por dois nomes famosos: Edir Macedo (atual líder supremo da denominação) e R.R. Soares, que saiu posteriormente para fundar a Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1980. E aqui faço um parágrafo somente para a Igreja Universal

A Igreja Universal do Reino de Deus é, para mim, um dos modelos mais estranhos e bizarros do protestantismo brasileiro, pelo simples fato de seu modelo altamente sincrético e sucursal. Começou no fim da década de 1970 com um apelo sincrético muito forte com o catolicismo, na mesma medida em que combatia-o (a Igreja Universal incorporou elementos como a “água ungida”, cujos pastores pediam para colocar no televisor, como um modelo “evangélico” de água benta), depois passou a sincretizar elementos das religiões afrobrasileiras (quem não conhece as famosas “Sessões do Descarrego” das terças-feiras da IURD, à semelhança das sessões homônimas nos centros de umbanda?!), e recentemente está incorporando elementos do judaísmo (Templo de Salomão, “Arca da Aliança”, etc) em sua parafernalha religiosa. Esta igreja fez “escola” ao dar origem à Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1980, e à Igreja Mundial do Poder de Deus, em 1998 (note que não faltam superlativos para valorizar o nome das “igrejas”). Enfim, paro por aqui, pois esta igreja merece um texto só para ela.

Mas o fato é que a Igreja Universal começou mais agressivamente à conversão de fiéis no Brasil, e exportou-se para o mundo com muito sucesso, sendo uma das maiores igrejas “evangélicas” do mundo. Começou também com um discurso muito voltado para as camadas pobres da população, tendo um giro discursivo muito grande ainda na década de 1990, quando passou a focar-se nas classes média e alta da população. Mas a terceira onda protestante no Brasil não iniciou-se somente com a Universal: Igrejas muito diferentes mas com discursos também próximos à “Batalha Espiritual” e a “Teologia da Prosperidade” logo ganharam notoriedade.

Um grupo específico de igrejas, que originou-se com um movimento importado da Colômbia a partir da década de 1990, o chamado G12 (que depois ganhou outros nomes como M12, ou MDA), foi o responsável por outro salto no objetivo imperialista evangélico brasileiro. A chamada “visão celular” trazida por tal movimento, fez de “cada casa uma igreja, e cada crente um ministro”, ampliando ainda mais o alcance territorial de tais igrejas. A partir daí começou-se toda uma teologia sui generis do movimento evangélico, recheada de novidades como a reintrodução dos “apóstolos” no Brasil, como a nova onda de “batalha espiritual” (esta mais atualizada e modernizada, diferentemente da Universal cujos grandes vilões eram os “Exus” e “Pombas Giras”, esta passa a incorporar outros vilões como o do movimento New Age, e etc). Aqui englobam-se as Igrejas Renascer em Cristo (1986), o Ministério Internacional da Restauração – MIR (1992), a Igreja Sara Nossa Terra (1992), a Igreja Fonte da Vida (1994), Igreja Nacional do Senhor Jesus (1994), dentre outras. O que acontece é que tais igrejas passaram a ter uma capilaridade muito grande, maior poder político, econômico e social, e um discurso mais light voltado para uma classe de jovens, adolescentes e até mesmo de adultos que não se enquadravam no perfil pentecostal ou histórico. Estas igrejas passaram a ser chamadas de Igrejas Neopentecostais e tiveram maior sucesso frente às mídias e a modernidade. Nota-se porém que nem todas estas igrejas são de uma teologia em comum, mas possuem raízes que se enquadram em certos movimentos.

O que acontece é que, mesmo com o atual crescimento de tais denominações, parece que os recentes escândalos e o crescimento da escolarização do brasileiro, tem feito com que ocorra um fenômeno singular: O crescimento dos “desigrejados” de base protestante. Sim! Nem todo ex-evangélico pode se caracterizar na alcunha que as igrejas dão de “desviado”. Muitos jovens e adultos tem experimentado um novo movimento de fé desistitucionalizada e que parece estar assustando os líderes proselitistas de tais congregações.


O fato é que precisamos conhece um pouco da história do movimento evangélico brasileiro par diferenciar entre as suas linhas de pensamento e as suas teologias, para tentar lançar luz sobre o comportamento religioso do Brasileiro, e não colocar “todos no mesmo saco”.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Porque deixei de ser evangélico


Não sei porque motivo você entrou em meu blog para ler este texto, talvez seja por curiosidade, talvez seja por estar enfrentando ou ter enfrentando angústias existenciais por conta deste meio social, ou talvez seja somente porque você é um filiado à qualquer instituição religiosa evangélica ou católica e quer tirar as suas conclusões para reforçar preconceitos disfarçados de “verdades bíblicas”, ou porqualquer outro motivo.

Conheci a igreja evangélica aos 10 anos de idade, e passei a frequentá-la por conta de bons exemplos de vida que conheci entre algumas pessoas que ali frequentavam, e dou graças a Deus pela vida destas pessoas. Passei oito preciosos anos aprendendo em uma igreja evangélica que considerava bastante equilibrada para os padrões evangélicos da época (meados dos anos 2000), onde tive a oportunidade de ter uma adolescência saudável, construindo sentidos para viver: Ali aprendi que deveria amar o próximo, aprendi que deveria ser temente a Deus, aprendi que deveria ser bom. Todavia, na medida em que ia crescendo neste meio, institucionalizava ainda mais a minha fé e o meu comportamento, e passei gradativamente a me aproximar da liderança da igreja, por possuir àquela época um desenvolvimento intelectual e “espiritual” que me respaldava diante da igreja e me colocava cada vez mais em evidência. Aos 10 anos, frequentava as aulas para crianças, aos 13 me batizei, aos 15 dava aulas para crianças e adolescentes, aos 17 anos dava aulas para formação de líderes na igreja (muitas vezes mais velhos que eu), aos 18 anos liderava um projeto missionário da igreja e já pregava na sede, encontros, e em outras congregações.

Já vi muita coisa genuinamente cristã ocorrer no meio evangélico, que foi o que me motivava acreditar na legitimidade de tal movimento, mesmo começando a ter cada vez mais questões que não era respondidas por líderes religiosos que deveriam me orientar no caminho, mas que em um surpreendente movimento, começaram a me pressionar como se eu fosse um adulto que, a despeito de meu desenvolvimento precoce, estava pronto para entender todas as atitudes totalitárias e às vezes irracionais que tomavam. E como eu tinha uma fé genuína, coisa que as decepções que tive com a “igreja” não conseguiram destruir: Vi e vivenciei coisas que não convém dizer, pois são do campo da fé e não do marketing, coisa que aprendi a diferenciar depois de um tempo de fora da igreja.

Aos 18 anos, após uma série de acontecimentos que envolveram decepções com a instituição religiosa, com a postura dos líderes, com a de alguns “irmãos” (que na verdade eram inimigos de alma), e com profundas convicções de que a igreja mataria toda a vida “espiritual” que havia dentro de mim, decidi sair da mesma, o que para minha surpresa, foi a decisão mais acertada da minha juventude. E passo a, por isto, explicar o porque, deixei de ser evangélico:

Deixei de ser evangélico porque cansei de amor seletivo dos irmãos, fruto da hipocrisia religiosa de quem não sabe lidar com seus conteúdos emocionais doentios, ou que é incapaz de amar incondicionalmente como manda a fé cristã. O amor cristão é genuinamente bom, e não é condicional à nenhum estado de ser. Sabem do que eu estou falando os homossexuais ou transexuais que sempre escutam “não temos preconceito” mas que ao entrarem em um templo tem que lidar com dezenas de olhares tortos, como se fossem animais de circo. Também como quando vi que o amor dos irmãos por mim era condicional, na medida em que, quando me ausentei da igreja por anos, somente um amado irmão insistiu em manter laços fraternos comigo, o que me fez entender que, o amor eclesiástico só corre se você está nas mesmas quatro paredes que o grupo religioso. Assim como cansei de ver histórias de pastores mandando cestas comemorativas com flores para médicos ou políticos da igreja, parabenizando pelo nascimento de seus filhos, ao passo que não via tal atitude acontecer com o irmãozinho mais pobre.

Deixei de ser evangélico porque cansei de gente com atitude autoritária se basear em uma “pseudoautoridade” dada por “deus” (sic) para embasar suas loucuras ou desmandos, assim como gente de duas caras que na frente do pastor líder da igreja era de um jeito, mas nas costas era o seu total oposto. Vi gente que era capaz de distorcer uma história de forma gigantesca só para “sair por cima” e que hoje, é para minha incredulidade, igualmente pastor. Estas pessoas infelizmente ainda não entenderam a diferença entre poder e autoridade, sendo que a segundo é dada por Deus sendo respaldada pela sabedoria confirmada pela comunidade e o poder é somente algo dado por uma hierarquia.

Deixei de ser evangélico porque cansei de fofocas de um povo que se reúne para ser um clube social e não para ser um centro de amor e caridade, assim como me cansei de frequentar um lugar que a pessoa tinha mais amigos na mesma medida em que se vestia com roupas de grife.

Deixei de ser evangélico porque estava cansado de ver gente ignorante sendo aclamado líder por pessoas que precisavam de instrução e não de placebos da fé ou opiáceos intelectuais, pois dia após dia via gente ensinando besteira, falando coisas improcedentes ou dando ensinamentos tão rasos que patinavam em tautologias descomunais. Tais coisas faziam com que os irmãos tivessem cada vez menos oportunidade de desenvolverem uma fé que não fosse um aborto da razão, ou um suicídio intelectual.

Deixei de ser evangélico porque cansei de fazer perguntas sinceras e receber como respostas chavões gospeis que não respondiam nada, mas aumentavam em muito a certeza de uma falsa sabedoria de quem os proferia. Isso era fruto da falta de estudo teológico de pastores preguiçosos que batiam no peito para arrogar-se do fato de que não tinham estudo mais haviam crescido na vida, e ainda tinham a torpe capacidade de dizer que “a letra mata, mas o espírito vivifica” (II CO 3:16) para validar a sua ignorância, negligenciando que tal texto se tratava de uma alusão à superação do modus operandi do Velho Testamento pela Era da Graça inaugurada por Cristo.

Deixei de ir para a igreja evangélica porque aprendi que o correto era SER IGREJA, e que o que eu fazia era frequentar uma instituição religiosa, sendo que a fé cristã não nasceu institucionalizada, muito menos para possuir uma sede fixa. Ao olharmos para os evangelhos, veremos Jesus utilizando um método social de ensino: Ele caminhava entre os pobres, prostitutas, mendigos, “pecadores” e não se fixou em lugar nenhum. Ele ensinou que “igreja” é um conceito relacional (Mt 18:20) e que Deus não habita em templos (At 17:24), e muito menos estabeleceu uma liturgia como vemos nas igrejas onde se cantam 5 músicas, tira-se a oferta, prega-se por uma hora, ora-se por 5 minutos e despede-se com os avisos, mas estabelceu a ordem (II Co 14:26-40) como fundamento de um culto racional (Rm 12:1-2).

Deixei a igreja evangélica porque aprendi que ela era a reprodução de um modelo pagão que possui fundamentos na Grécia (At 17:16-34), que foi renunciado na Cruz de Cristo. Na Grécia antiga, onde o politeísmo imperava, o “homem sábio” (mais tarde identificado com o sacerdote cristão) era colocado no lugar alto e falava para a plateia, sentada em um anfiteatro que em pouca coisa difere dos templos atuais. Ao olhar para os modelos primários de reunião dos cristãos (At 2:42-47), vemos que estes eram totalmente diferentes do que os atuais, que são mais parecidos aos Greco-romanos.

Deixei de ser evangélico porque cansei de ver gente torcendo a Bíblia de todas as formas para satisfazer seus mais diferentes intentos, mesmo ouvindo por parte de pastores a máxima de que “texto sem contexto é pretexto para heresia” vivia recebendo destes, centenas de interpretações bíblicas parciais ou descontextualizadas. O que tais líderes não entendiam é que, a Bíblia como um todo, precisava ser contextualizada, analisada levando-se em conta o grande abismo cultural, literal, histórico, psicológico, político e ideológico que nos separa dos seus escritores há 2 mil anos. Assim como também encontrava neste a contradição de quem queria reduzir toda a grandeza de um Deus infinito às cerca de mil páginas um livro finito, sendo que o ápice de sua revelação é própria natureza que nos rodeia (Rm 1:19-20) e que o papel é somente um referencial de uma das inúmeras revelações que Deus entregou para a humanidade.

Deixei de ser evangélico porque cansei de ver a contradição de pessoas que questionavam a idolatria da igreja católica, mas colocavam pastores, líderes ou mesmo o dinheiro como ídolos de seus corações, tornando-se cada vez mais robotizados e menos humanos.

Deixei de ser evangélico porque cansei de ver gente utilizando o Antigo Testamento para rejudaizar a igreja, ou para selecionar as leis que os interessavam para oprimir os leigos na fé e para desfazer o sacrifício na cruz através da imposição de novos sacrifícios dos irmãos, pois entendi que a lei foi abolida (Gl 3:24-25) por Cristo que a cumpriu (Mt 5:17-18), para que o mesmo tivesse autoridade entre os homens para mostrar que a lei mata, mas a graça como expressão do Espírito de Deus, é que salva os homens mediante a fé (Cl 2:13-14;  Ef 2:8-9), assim como entendi que o dízimo, tão amado pelos pastores, foi abolido porque se tratava da época da lei.

Deixei de ser evangélico porque entendi que o modelo de igreja era empresarial e não orgânico como aponta a história do cristianismo primitivo e a bíblia, pois Deus estabeleceu a igreja como um corpo relacional onde os ministérios não estavam submetidos uns aos outros por ordem hierárquica, mas eram respeitados por sua funcionalidade para o aperfeiçoamento da vida cristã (Ef 4:7-12), e que a partir de Cristo, todos os crentes em Deus se tornavam sacerdotes (I Pe 2:5,9; Ap 1:5-6; Ap 5:9-10), e não somente o pastor, ou o apóstolos, e estes não eram “superiores” em nada aos demais, possuindo somente funções diferentes.

Saí da igreja evangélica porque cansei de ver pessoas pregando uma coisa e vivendo outra, como expressão mais pura da mentira e da hipocrisia humana. Especificamente por ter aprendido por líderes religiosos que autojustificação era pecado (Rm 8:33), mas que diante da primeira acusaçãozinha os mesmos corriam para frente da igreja para fazer um showzinho de justificação do ego.

Poderia apontar inúmeros outros motivos, mas os que listei já me fizeram entender de uma vez por todas que evangelicalismo e cristianismo são coisas totalmente diferentes e que, assim como protestantes tiveram que se desvencilhar da igreja católica no século XVI para reformar a fé cristã que havia sido corrompida àquela época por inúmeros fatores, hoje também temos que encontrar meios para desinstitucionalizarmos a fé cristã genuína destes sistemas, sejam eles católicos, evangélicos ou o que sejam, pois estes estão cada vez mais religiosos e menos piedosos, lembrando que a religião, fora do que está descrito em Tg 1:26-27, nada mais é do que um sistema para controlar os homens e extrair deles poder político, escravizando-os e levando-os para longe de onde Cristo os levou: “Para a liberdade, foi que Cristo nos libertou” Gl 5:1.

Maranata, Jesus!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Acampamentos de carnaval e a monasticisação do evangelicalismo brasileiro


Quero deixar bem claro que este não é um texto que pretende ofender nenhum tipo de credo religioso ou denominação, e que justamente está amparado no direito bíblico registrado na Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses, Capítulo 5, Verso 21, que diz:


“Julgai tudo, retende o que é bom”

Pois bem, vamos aos fatos. Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro a minha tese de que Cristianismo e Evangelicalismo são coisas bem diferentes, assim como Catolicismo, Protestantismo, Ortodoxia Oriental, etc. Não vou entrar no mérito moral ou apologético de nenhuma vertente do pensamento religioso brasileiro ou mundial, mas fazer uma análise histórica e crítica do fenômeno religioso. Se você está se perguntando, o que eu quero dizer com o fato de que evangelicalismo e cristianismo são coisas diferentes, eu tentarei resumir ao seguinte resumo: O Cristianismo é uma filosofia inaugurada no século I, inicialmente desenvolvida por Jesus de Nazaré (me refiro ao personagem histórico, sem fazer alusão a qualquer questão de divindade do mesmo), sendo posteriormente trabalhada por seus discípulos mais próximos. Posteriormente foram surgindo correntes baseadas neste pensamento, desenvolvendo teologias e filosofias inicialmente diferentes das iniciais, como o catolicismo a partir do século III com Constantino, ao tornar o “cristianismo” (já pervertido pelo sincretismo com o paganismo grego-romano da época) a religião oficial do Estado Romano. Posteriormente houve o Cisma do Oriente, evento histórico que dividiu a Igreja Católica da Ortodoxa no século XI, e ainda depois, no século XVI surge o Protestantismo a partir de revolta de Lutero.

Se olharmos a filosofia e os usos e costumes das instituições religiosas evangélicas no Brasil atual (objeto de nossa análise), assim como a católica ou a ortodoxa, e compararmos com o livro áureo da fé cristã (a Bíblia) e estudarmos a teologia sob o contexto histórico e cultural da época, teremos a certeza de que, o modo de operação do cristianismo no século I era totalmente diferente das práticas atuais de qualquer vertente. Não que isso seja argumento contra a legitimidade de qualquer uma das vertentes, mas que marca a diferença conceitual entre cristianismo e qualquer arcabouço teórico-doutrinário teológico que temos hoje.

Pois bem, a história da Instituições Religiosas Evangélicas remonta à tradição protestante, sendo que hoje, no Brasil, podemos notar ou delinear três subtipos diferentes de teologias evangélicas: A linha histórica (ou tradicional), a linha pentecostal e a linha neopentecostal. Eu ainda inseriria outro tipo de classificação teológica, que são a das Indefinidas, mas isso é outra história. Pois bem, as três linhas que nomeei neste texto são baseadas em aspectos doutrinários e teológicos diferentes, e as que mais se sobressaem nos dias de hoje são as de matriz pentecostal e neopentecostal, notadamente oriundas de tradições estadunidenses.

O que acontece é que, muitas práticas religiosas ou administrativas foram adentrando as instituições religiosas em um violento processo de colonização, sem nenhum tipo de reflexão ou crítica teológica profunda por boa parte dos líderes: A teologia da prosperidade, a teologia da batalha espiritual, a teologia da igreja celular, a teologia neo-avivalista e etc. Mais isto já se trata de uma história bem recente.

A história do Protestantismo é marcada pela radical negação da teologia católica, sendo que Lutero, em seu movimento de reforma no século XVI destacou 95 teses que separavam o pensamento protestante do romanismo, e posteriormente reforçado pela teoria dos 5 solas (Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Sola Scriputra e Soli Deo Glória). Ou seja, o protestantismo foi marcado como um movimento de resistência teológico, filosófico, social e cultural ao catolicismo, que na Idade Média dominava o mundo ocidental, imergindo-o em uma cortina espessa de dominação política e social.

Um dos cientistas mais importantes do século XX, Max Weber (1864-1920) foi especialmente interessado em traçar um paralelo entre a vida católica e a vida protestante, e a implicação histórica que tais modos de vida tiveram no ocidente, especificamente voltado ao desenvolvimento econômico, defendendo a tese de que, por partirem de éticas diferentes, os povos adeptos de cada uma das doutrinas filosófico religiosas desenvolveria diferentes tipos de sociedade. Essa foi a parte da ideia geral do livro “A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (Weber, 2009).

No mesmo livro, Weber (2009) demonstra historicamente que, uma das bases filosóficas da moralidade católica era o pensamento monástico, ou seja, aquele que defende que, para uma pessoa agradar a Deus, precisaria estar separado das coisas do mundo, em uma dedicação total e irrestrita a Deus. Neste sentido, o homem, para o exercício da vontade divina, deveria isolar-se do mundo exterior para o exercício quase eremita do “minstério”. Weber demonstra que esta noção foi radicalmente reformada pela visão protestante, ao defender a ideia de que o ministério ao qual Deus havia vocacionado ao ser humano não era necessariamente monástico e que poderia ser exercido no mundo secular, através das profissões, por exemplo. Isso coaduna com a visão de Paulo de Tarso, pregador cristão do século I:

“Tudo o quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” Colossenses 3:23

Neste sentido, um dos pontos que, mesmo que sem a ciência direta dos protestantes, separou o modo de atuação destes para com os católicos na vida e na noção ministerial foi o abandono da vida monástica e a adoção da noção de trabalho secular como ministério, e é aqui que entramos na crítica - Infelizmente, nos dias de hoje, tenho notado que as instituições evangélicas tem adotado um retorno ao monasticismo, mesmo que de forma velada, ao separar os seus fiéis de práticas que os mesmos consideram como “mundanas” ou “pecaminosas”. E aqui entro com a questão do texto, usando o carnaval como exemplo – as instituições evangélicas tem, durante esta festa, separado principalmente os jovens, para retiros “espirituais” com a ideia de que serão “consagrados à Deus” nestes dias em um movimento de resistência a pecaminosidade do carnaval. O problema é que, isso vai diretamente contra a tradição protestante, contra a psique humana e contra a teologia cristã:


  1. Contra a tradição protestante, porque adota a visão monástica de consagração. Ora, a ideia de consagração como isolamento do mundo é católica e não protestante, no sentido de que esta ideia foi abandonada na reforma. Ou seja, inadvertidamente, há um retorno ao catolicismo e às suas práticas, tão fortemente condenadas por esta doutrina;
  2. Contra a psiquê humana, pois há todo um investimento institucional para recalcar energias pulsionais que poderiam ser trabalhadas ou sublimadas em outras atividades, que não fosse estritamente as atividades monásticas;
  3. Contra a teologia cristã, no sentido de que, Jesus de Nazaré, registrado em João 17:15 defende em sua oração a Deus: “Não peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal”. Ou seja, o próprio Cristo demonstrava ser contrário a ideia de santificação através do monasticismo.

Mas o que há por trás deste equívoco? Penso eu que, mesmo de uma maneira bem intencionada, há um equívoco teológico na ideia de “consagração”, ao entendê-la como separação radical do mundo e não como “um coração e uma mente disposta ao serviço cristão”. Essa diferenciação é essencial para a compreensão de que, o cristão deve permanecer inabalável diante de qualquer circunstância no mundo, não precisando fugir delas sob pretexto de santificação. Isso confirma um dos textos mais queridos pelos evangélicos:

“Mil cairão ao teu lado, dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido” Salmos 90:7

Ou seja, o que passa é que, para os que querem advogar viver sob uma tradição protestante há que, com um pouco de reflexão crítica, compreender os condicionantes históricos no processo de constituição de sua crença, para assim, viver com mais coerência filosófica e teológica.

Referências

Weber, M. (2009). A ética protestante e o espírito do capitalismo, 4ª Ed. São Paulo: Martins Claret.

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Imagem: Extraída do Google Imagens

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Sobre o autor:

Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte (Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (Brasil). Possui experiência com docência de grupos eclesiásticos. Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede Goiana de Psicologia.