domingo, 29 de março de 2015

Como ocorre(u) o processo de evangelicalização do Brasil


Estatisticamente os evangélicos deixaram de ser um grupo minoritário no Brasil há anos, e isso só está surpreendendo cientistas sociais depois de o censo do IBGE de 2014 ter divulgado dados em que aponta que 25% da população brasileira já se define como tal: O que parece ser estatisticamente baixo se torna amplificado se pensarmos a extensão territorial e populacional do Brasil.

Mas como isso ocorreu em um país historicamente católico em tão pouco tempo? Obviamente, não foi do nada! E pasmem, nem foi por tão pouco tempo assim: A história da igreja evangélica no Brasil começa muito antes do que se imagina, com o Protestantismo de Imigração, sendo que a primeira igreja protestante se estabeleceu no Brasil no ano de 1557, com os franceses (Igreja Reformada Francesa), seguida da Igreja Reformada Holandesa, que foi estabelecida em 1630 (quase um século depois). O que ocorre é que a partir daí foram dando-se saltos cronológicos para o estabelecimento de outras denominações, como a Igreja Anglicana em 1816, a Luterana em 1824, a Congregacional em 1858, a Presbiteriana em 1862, a Metodista em 1867, a Batista em 1871, dentre outras, sendo todas estas as igrejas da Protestante Histórica.

Essas primeiras igrejas se estabeleceram no Brasil inicialmente como produto de exportação de imigrantes franceses, holandeses e ingleses, que obtiveram do Império a permissão para estabelecer o seu culto no país, desde que as sedes das igrejas não possuíssem nenhum tipo de aparência que as identificassem como templos religiosos (daí uma parte a diferença arquitetônica entre igrejas católicas e evangélicas no Brasil) e que as mesmas não fossem proselitistas (ou seja, que não evangelizassem a população). Todavia, com o passar do tempo e com o aumento da população no Brasil, seguido de pressões populares, a liberdade de culto e evangelização foi sendo afrouxada. O estabelecimento destas igrejas no Brasil passou a ser conhecido como Protestantismo de Primeira Onda.

Todavia a liberdade de culto que as igrejas hoje possuem só passou a ser permitida com o advento da República, com o Estado Laico! Isso mesmo, parece ironia se olharmos hoje o fato de que, a ideia de um Estado Laico (que é combatida por alguns fundamentalistas religiosos de maneira absurda) foi a que permitiu parte da expansão da igreja evangélica no Brasil.

Em 1910 fundou-se a primeira denominação evangélica pentecostal no país, com a Congregação Cristã do Brasil, seguida no ano seguinte por aquela que se tornaria como a maior denominação evangélica desta vertente: A Igreja Assembleia de Deus – esta teve um papel importantíssimo na propagação da mensagem evangélica no país, pois possuía um cunho extremamente missionário (foi fundada por dois missionários suecos em Belém - PA) com um discurso extremamente acessível à população com menor instrução e nível econômico. Essas igrejas inauguram a Segunda Onda do Protestantismo Brasileiro, das igrejas pentecostais que possuíam forte apelo nas camadas sociais mais baixas da população, e que incorporavam elementos religiosos e linguísticos cada vez mais populares. Nelas existe uma valoração muito extensa de elementos ritualísticos “mágicos” como exorcismos, curas divinas, línguas estranhas ou outras manifestações do tipo, sendo que os mesmos foram se incorporando com muito sucesso no imaginário e no cotidiano de uma população sofredora e carente de assistência, em qualquer nível, sendo que esta passou a ser fornecida mais pela igreja, do que por um Estado incipiente.

Foi muito rápida a proliferação de igrejas evangélicas pentecostais no país, alcançando lugares onde o próprio Estado não alcançava: As favelas, os sertões, as florestas, os campos, as periferias. E as denominações multiplicavam-se quanto mais se manifestavam as incertezas e dificuldades dos líderes religiosos se acertarem teologicamente, pois não era raro o fato de que, se um líder discordasse de outro em algum aspecto teológico ou administrativo, este logo fundava uma outra denominação. E assim ocorreu com igrejas como “O Brasil para Cristo”, em 1955; “Igreja Cristã de Nova Vida” em 1960; “Deus é Amor”, em 1962.

Todavia este panorama desembocou no que se conhece como a Terceira Onda do Protestantismo Brasileiro, inaugurado pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 1977, por dois nomes famosos: Edir Macedo (atual líder supremo da denominação) e R.R. Soares, que saiu posteriormente para fundar a Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1980. E aqui faço um parágrafo somente para a Igreja Universal

A Igreja Universal do Reino de Deus é, para mim, um dos modelos mais estranhos e bizarros do protestantismo brasileiro, pelo simples fato de seu modelo altamente sincrético e sucursal. Começou no fim da década de 1970 com um apelo sincrético muito forte com o catolicismo, na mesma medida em que combatia-o (a Igreja Universal incorporou elementos como a “água ungida”, cujos pastores pediam para colocar no televisor, como um modelo “evangélico” de água benta), depois passou a sincretizar elementos das religiões afrobrasileiras (quem não conhece as famosas “Sessões do Descarrego” das terças-feiras da IURD, à semelhança das sessões homônimas nos centros de umbanda?!), e recentemente está incorporando elementos do judaísmo (Templo de Salomão, “Arca da Aliança”, etc) em sua parafernalha religiosa. Esta igreja fez “escola” ao dar origem à Igreja Internacional da Graça de Deus, em 1980, e à Igreja Mundial do Poder de Deus, em 1998 (note que não faltam superlativos para valorizar o nome das “igrejas”). Enfim, paro por aqui, pois esta igreja merece um texto só para ela.

Mas o fato é que a Igreja Universal começou mais agressivamente à conversão de fiéis no Brasil, e exportou-se para o mundo com muito sucesso, sendo uma das maiores igrejas “evangélicas” do mundo. Começou também com um discurso muito voltado para as camadas pobres da população, tendo um giro discursivo muito grande ainda na década de 1990, quando passou a focar-se nas classes média e alta da população. Mas a terceira onda protestante no Brasil não iniciou-se somente com a Universal: Igrejas muito diferentes mas com discursos também próximos à “Batalha Espiritual” e a “Teologia da Prosperidade” logo ganharam notoriedade.

Um grupo específico de igrejas, que originou-se com um movimento importado da Colômbia a partir da década de 1990, o chamado G12 (que depois ganhou outros nomes como M12, ou MDA), foi o responsável por outro salto no objetivo imperialista evangélico brasileiro. A chamada “visão celular” trazida por tal movimento, fez de “cada casa uma igreja, e cada crente um ministro”, ampliando ainda mais o alcance territorial de tais igrejas. A partir daí começou-se toda uma teologia sui generis do movimento evangélico, recheada de novidades como a reintrodução dos “apóstolos” no Brasil, como a nova onda de “batalha espiritual” (esta mais atualizada e modernizada, diferentemente da Universal cujos grandes vilões eram os “Exus” e “Pombas Giras”, esta passa a incorporar outros vilões como o do movimento New Age, e etc). Aqui englobam-se as Igrejas Renascer em Cristo (1986), o Ministério Internacional da Restauração – MIR (1992), a Igreja Sara Nossa Terra (1992), a Igreja Fonte da Vida (1994), Igreja Nacional do Senhor Jesus (1994), dentre outras. O que acontece é que tais igrejas passaram a ter uma capilaridade muito grande, maior poder político, econômico e social, e um discurso mais light voltado para uma classe de jovens, adolescentes e até mesmo de adultos que não se enquadravam no perfil pentecostal ou histórico. Estas igrejas passaram a ser chamadas de Igrejas Neopentecostais e tiveram maior sucesso frente às mídias e a modernidade. Nota-se porém que nem todas estas igrejas são de uma teologia em comum, mas possuem raízes que se enquadram em certos movimentos.

O que acontece é que, mesmo com o atual crescimento de tais denominações, parece que os recentes escândalos e o crescimento da escolarização do brasileiro, tem feito com que ocorra um fenômeno singular: O crescimento dos “desigrejados” de base protestante. Sim! Nem todo ex-evangélico pode se caracterizar na alcunha que as igrejas dão de “desviado”. Muitos jovens e adultos tem experimentado um novo movimento de fé desistitucionalizada e que parece estar assustando os líderes proselitistas de tais congregações.


O fato é que precisamos conhece um pouco da história do movimento evangélico brasileiro par diferenciar entre as suas linhas de pensamento e as suas teologias, para tentar lançar luz sobre o comportamento religioso do Brasileiro, e não colocar “todos no mesmo saco”.

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