Quero deixar bem claro que este não é um texto que pretende ofender nenhum tipo de credo religioso ou denominação, e que justamente está amparado no direito bíblico registrado na Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses, Capítulo 5, Verso 21, que diz:
“Julgai tudo, retende
o que é bom”
Pois bem, vamos aos fatos. Em
primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro a minha tese de que Cristianismo e
Evangelicalismo são coisas bem diferentes, assim como Catolicismo,
Protestantismo, Ortodoxia Oriental, etc. Não vou entrar no mérito moral ou
apologético de nenhuma vertente do pensamento religioso brasileiro ou mundial,
mas fazer uma análise histórica e crítica do fenômeno religioso. Se você está
se perguntando, o que eu quero dizer com o fato de que evangelicalismo e
cristianismo são coisas diferentes, eu tentarei resumir ao seguinte resumo: O
Cristianismo é uma filosofia inaugurada no século I, inicialmente desenvolvida
por Jesus de Nazaré (me refiro ao personagem histórico, sem fazer alusão a
qualquer questão de divindade do mesmo), sendo posteriormente trabalhada por
seus discípulos mais próximos. Posteriormente foram surgindo correntes baseadas
neste pensamento, desenvolvendo teologias e filosofias inicialmente diferentes
das iniciais, como o catolicismo a partir do século III com Constantino, ao
tornar o “cristianismo” (já pervertido pelo sincretismo com o paganismo
grego-romano da época) a religião oficial do Estado Romano. Posteriormente
houve o Cisma do Oriente, evento histórico que dividiu a Igreja Católica da
Ortodoxa no século XI, e ainda depois, no século XVI surge o Protestantismo a
partir de revolta de Lutero.
Se olharmos a filosofia e os usos
e costumes das instituições religiosas evangélicas no Brasil atual (objeto de
nossa análise), assim como a católica ou a ortodoxa, e compararmos com o livro
áureo da fé cristã (a Bíblia) e estudarmos a teologia sob o contexto histórico
e cultural da época, teremos a certeza de que, o modo de operação do
cristianismo no século I era totalmente diferente das práticas atuais de
qualquer vertente. Não que isso seja argumento contra a legitimidade de
qualquer uma das vertentes, mas que marca a diferença conceitual entre
cristianismo e qualquer arcabouço teórico-doutrinário teológico que temos hoje.
Pois bem, a história da
Instituições Religiosas Evangélicas remonta à tradição protestante, sendo que
hoje, no Brasil, podemos notar ou delinear três subtipos diferentes de
teologias evangélicas: A linha histórica (ou tradicional), a linha pentecostal
e a linha neopentecostal. Eu ainda inseriria outro tipo de classificação
teológica, que são a das Indefinidas, mas isso é outra história. Pois bem, as
três linhas que nomeei neste texto são baseadas em aspectos doutrinários e teológicos
diferentes, e as que mais se sobressaem nos dias de hoje são as de matriz
pentecostal e neopentecostal, notadamente oriundas de tradições estadunidenses.
O que acontece é que, muitas
práticas religiosas ou administrativas foram adentrando as instituições
religiosas em um violento processo de colonização, sem nenhum tipo de reflexão
ou crítica teológica profunda por boa parte dos líderes: A teologia da
prosperidade, a teologia da batalha espiritual, a teologia da igreja celular, a
teologia neo-avivalista e etc. Mais isto já se trata de uma história bem
recente.
A história do Protestantismo é
marcada pela radical negação da teologia católica, sendo que Lutero, em seu
movimento de reforma no século XVI destacou 95 teses que separavam o pensamento
protestante do romanismo, e posteriormente reforçado pela teoria dos
5 solas (Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Sola Scriputra e Soli Deo
Glória). Ou seja, o protestantismo foi marcado como um movimento de resistência
teológico, filosófico, social e cultural ao catolicismo, que na Idade Média
dominava o mundo ocidental, imergindo-o em uma cortina espessa de dominação
política e social.
Um dos cientistas mais
importantes do século XX, Max Weber (1864-1920) foi especialmente interessado
em traçar um paralelo entre a vida católica e a vida protestante, e a
implicação histórica que tais modos de vida tiveram no ocidente,
especificamente voltado ao desenvolvimento econômico, defendendo a tese de que,
por partirem de éticas diferentes, os povos adeptos de cada uma das doutrinas
filosófico religiosas desenvolveria diferentes tipos de sociedade. Essa foi a
parte da ideia geral do livro “A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”
(Weber, 2009).
No mesmo livro, Weber (2009)
demonstra historicamente que, uma das bases filosóficas da moralidade católica
era o pensamento monástico, ou seja, aquele que defende que, para uma pessoa
agradar a Deus, precisaria estar separado das coisas do mundo, em uma dedicação
total e irrestrita a Deus. Neste sentido, o homem, para o exercício da vontade
divina, deveria isolar-se do mundo exterior para o exercício quase eremita do “minstério”.
Weber demonstra que esta noção foi radicalmente reformada pela visão
protestante, ao defender a ideia de que o ministério ao qual Deus havia
vocacionado ao ser humano não era necessariamente monástico e que poderia ser
exercido no mundo secular, através das profissões, por exemplo. Isso coaduna
com a visão de Paulo de Tarso, pregador cristão do século I:
“Tudo o quanto fizerdes,
fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” Colossenses
3:23
Neste sentido, um dos pontos que,
mesmo que sem a ciência direta dos protestantes, separou o modo de atuação
destes para com os católicos na vida e na noção ministerial foi o abandono da
vida monástica e a adoção da noção de trabalho secular como ministério, e é
aqui que entramos na crítica - Infelizmente, nos dias de hoje, tenho notado que
as instituições evangélicas tem adotado um retorno ao monasticismo, mesmo que
de forma velada, ao separar os seus fiéis de práticas que os mesmos consideram
como “mundanas” ou “pecaminosas”. E aqui entro com a questão do texto, usando o
carnaval como exemplo – as instituições evangélicas tem, durante esta festa,
separado principalmente os jovens, para retiros “espirituais” com a ideia de que
serão “consagrados à Deus” nestes dias em um movimento de resistência a
pecaminosidade do carnaval. O problema é que, isso vai diretamente contra a
tradição protestante, contra a psique humana e contra a teologia cristã:
- Contra a tradição protestante, porque adota a visão monástica de consagração. Ora, a ideia de consagração como isolamento do mundo é católica e não protestante, no sentido de que esta ideia foi abandonada na reforma. Ou seja, inadvertidamente, há um retorno ao catolicismo e às suas práticas, tão fortemente condenadas por esta doutrina;
- Contra a psiquê humana, pois há todo um investimento institucional para recalcar energias pulsionais que poderiam ser trabalhadas ou sublimadas em outras atividades, que não fosse estritamente as atividades monásticas;
- Contra a teologia cristã, no sentido de que, Jesus de Nazaré, registrado em João 17:15 defende em sua oração a Deus: “Não peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal”. Ou seja, o próprio Cristo demonstrava ser contrário a ideia de santificação através do monasticismo.
Mas o que há por trás deste
equívoco? Penso eu que, mesmo de uma maneira bem intencionada, há um equívoco
teológico na ideia de “consagração”, ao entendê-la como separação radical do
mundo e não como “um coração e uma mente disposta ao serviço cristão”. Essa
diferenciação é essencial para a compreensão de que, o cristão deve permanecer
inabalável diante de qualquer circunstância no mundo, não precisando fugir
delas sob pretexto de santificação. Isso confirma um dos textos mais queridos
pelos evangélicos:
“Mil cairão ao teu lado, dez mil
à tua direita, mas tu não serás atingido” Salmos 90:7
Ou seja, o que passa é que, para
os que querem advogar viver sob uma tradição protestante há que, com um pouco
de reflexão crítica, compreender os condicionantes históricos no processo de
constituição de sua crença, para assim, viver com mais coerência filosófica e
teológica.
Referências
Weber, M. (2009). A ética protestante e o espírito do
capitalismo, 4ª Ed. São Paulo: Martins Claret.
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Imagem: Extraída do Google Imagens
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Sobre o autor:
Murillo Rodrigues dos Santos, é psicólogo (CRP 09/9447) pela PUC
Goiás (Brasil), com graduação sanduíche pela Universidad Católica del Norte
(Chile). Possui aperfeiçoamento profissional pela Brown University (Estados
Unidos) e Fundación Botín (Espanha). Mestrando em Psicologia pela Universidade
Federal de Goiás (Brasil). Possui experiência com docência de grupos
eclesiásticos. Atualmente é pesquisador pela CAPES/MEC e presidente da Rede
Goiana de Psicologia.
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