Era minha primeira experiência em um hospital psiquiátrico que aconteceu durante uma pesquisa da disciplina “Psicopatologia Clínica”, em uma clínica psiquiátrica conveniada com a PUC Goiás no ano de 2011, na cidade de Goiânia – GO. Sinceramente eu não fazia ideia do que me esperava por detrás daqueles muros brancos, isolados na periferia da cidade, mas confesso que o contato que tive com aqueles internos foi algo que mudou totalmente a minha concepção de psicopatologia em um nível clínico, psicossocial, dialético e existencial.
Fui com um preconceito muito grande em minha cabeça, mas preconceito este carregado de bom sentido: Eu iria de encontro a pessoas dotadas de uma subjetividade que lhes era própria, e de uma história de vida que lhes tinha favorecido estar naquelas condições; Estaria me deparando com pessoas como eu, logicamente dotadas do que a sociedade chama de “doença mental”, mas de resto não sabia do que viria pela frente.
Entramos, minha parceira de pesquisa e eu, na ala dos Convênios e percebi alguns seres em estado quase catatônico perambulando com roupas sujas, e descalços pelos saguões e pátios da ala, alguns com o que chamamos vulgarmente de “catarro” espalhado pelo rosto, babando, fumando e esboçando pequenas interações sociais. Fiquei intrigado pela quantidade de fumantes que havia, e pelo silêncio cortante que imperava sobre o local (Fato que poderia ser a qualquer momento interrompido por qualquer berro de um surto psicótico) seguido de enfermeiros correndo para acudir com a força bruta de seus braços.
Não há nada tão marcante quanto a carência de alguns internos, assim como o seu interesse em saber das “novidades que chegaram” do mundo além dos muros. Um jovem de 25 anos portador de Esquizofrenia Paranóide com traços de violência, encerrados sobre os comprimidos que o drogavam pela receita médica aproximou-se de nós para conversar. Dirigimos-nos a um banco no jardim para isto, ele em passos mais acelerados a frente tendo escolhido seu lugar para sentar, falando “Ou não precisa ter medo de mim não” para nós dois que tínhamos ficado mais atrás... em nossa conversa, entre um delírio e outro (que eram muitos), nos contou sobre sua vontade de sair da clínica... e foi a única coisa racional que conseguimos entender, com significado socialmente compreensível, as demais conclusões que pudemos extrair de sua fala, só foram compreendidas através de uma técnica denominada de “Análise de Núcleos de Significação”, técnica das epistemologias surgidas em Vygotsky.
Em determinado momento da conversa com esse rapaz, ele nos contava sobre coisas de outro planeta e extraterrestres, de Jesus Cristo, dos Zumbis nas Favelas do Rio de Janeiro, dos Jeeps de Raly que ele usaria com seu fuzil AR 15 para acabar com o Apocalipse (Isso tudo em uma sequência incrível e logicamente ilógica), aparece um outro interno, e começamos a conversar os quatro, e o primeiro rapaz, diz que sabia ler e transmitir pensamentos, ao qual se dispõe a fazer um teste... ele fecha os olhos se concentra, fica calado por trinta segundos e pergunta para a minha colega se ela tinha recebido a mensagem, ela diz que não, ele pergunta para o outro rapaz, ele diz que não, neste caso a sua justificativa foi “Vocês devem estar em outro canal” (Isso já seria motivo de risada para muitos dos que tivessem presenciado a cena, se não fosse uma situação que para nós era algo nobre e raro). Mas o melhor desta cena foi o segundo rapaz dizendo “Esse ai tá doidão”...
Saindo da Ala dos Convênios, pensei que tinha visto muito já, depois de ter interagido com meia dúzia de internos, fomos para a ALA DO SUS, ai que me vi em uma grande desafio. Entrar na Ala Masculina do SUS de um Hospital Psiquiátrico é um desafio para corajosos: Ao acabar de entrar nos vimos literalmente rodeados por 20 homens maltrapilhos, sujos, fedidos, agressivos, e curiosos...ali sim, parecia uma penitenciária e não um hospital: Corredores com homens dos mais diferentes problemas, com quartos sujos, escuros e com grades, superlotados. Ali percebemos a latência sexual destes, e a agressividade em que isto se convertia. Os diversos problemas psicológicos que cada um portava era algo que dificultava violentamente a interação social e a monótona paisagem era algo opressor.
Enfim, eu poderia extrair diversos relatos dessa minha experiência mas o que julgo ser mais importante é: Encontrei homens e mulheres em situação desumana, isolados da sociedade, presos entre quatro paredes, dopados por drogas psiquiátricas. Não havia ali nenhuma escuta psicológica que desse vazão a sua subjetividade e ao seu sofrimento psíquico. Não havia ali ninguém que pudesse doar um pouco de sua atenção as necessidades de carinho e afeto dessas pessoas. Não há lazer ali, não há liberdade, não há conforto nem paz, não há vida.
Um hospício é um local onde se amontoam pessoas, aqueles que a sociedade julgou “imprestáveis”, sem direito a defesa ou compreensão, sem direito a uma segunda chance... Ali são dopados com drogas e não há nenhum tipo de terapia comportamental, cognitiva ou ocupacional... não há nada do que se fazer em um lugar deste, a não ser tomar seus remédios na hora exata dia após dia, fumar, olhar o tempo passar e com isto, aperfeiçoar a sua “loucura”.
Entendo que é necessário isolar uma pessoa, neste estado, da sociedade por algumas vezes, porque é uma situação de desajuste psicossocial que favorece aquilo que conhecemos como loucura, e não se trata de uma doença mental ou social, mas sim de uma doença na relação entre o mental e o social, mas não é o hospício e seus mecanismos de segregação que irão trabalhar a relação desta pessoa na sociedade.
Precisamos compreender que a “loucura” acontece em um meio social, por relações perturbadoras, e só pode ser superada em um ambiente igualmente social, a segregação fortalece a alienação cognitiva deste seres, tornando-os marginalizados por uma sociedade, que não para, não observa e não escuta.
Por uma sociedade livre de manicômios e saudável em suas relações.
Por: Murillo Rodrigues dos Santos (Colocar os créditos senão o FBI vai querer me ou te prender por pirataria!)
Por: Murillo Rodrigues dos Santos (Colocar os créditos senão o FBI vai querer me ou te prender por pirataria!)
Realmente não sabem lidar com essa doenças ,então,o isolamento é a ''única'' e a melhor solução.
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